SEGREDOS
Dona Helenita, velha e dedicada secretária há mais de... Quantos anos mesmo? Trinta? Quarenta anos? Meu Deus! Quanto tempo desperdiçado sentada em sua patética e velha cadeira giratória de palhinha!
E mais patético ainda, as frases velhas ao telefone preto e sebento da saliva dos mortos:
- Bom dia! O senhor diretor não está. Saiu para uma reunião e não volta mais hoje!
- Pode deixar eu anoto o recado.
- Um momento. Vou transferir a ligação.
- Já saiu. Só volta amanhã. Pode ligar a partir das oito?
- Foi para o almoço. Retorne depois das catorze horas.
E lá fora, tardes magníficas a passar! O sol se pondo alheio às azáfamas de dona Helenita, aquarelando o céu como em um quadro de John Constable!
O vento matinal a patinar nos corredores, rodopiando nas calçadas sombreadas, encrespando as ondas buliçosas do mar distante que se via pela janela bloqueada com fitas gomadas para que não se lhe escapasse o vital ar condicionado.
Dona Helenita, velha secretária embalsamada em sua penosa e árdua tarefa de organizar as pastas velhas e empoeiradas do arquivo de aço que não serviam para nada. Contava nos dedos os anos, dias e horas que faltavam para se aposentar. Mesmo sabendo que iria morrer ali mesmo na ante-sala do senhor diretor.
Sabia que ficaria ali mesmo, mumificada em sua velha cadeira giratória de palhinha. Além do mais, ela sabia de muitos segredos, coisas ocultas, conchavos e mancomunações que não lhe deixariam sair assim impune, nem lhe permitiriam ver as tardes a passar no parque, nem as ondas encrespadas pelo vento na beira mar, nem a revoada de pombos que, como meninos traquinos, aprontavam no meio da praça.
Além do mais, muitas vezes, ela entrava em transe psicogênico e confidenciava em voz quase inaudível ao telefone que o senhor diretor era um homem muito estranho e havia desagradáveis boatos sobre ele.