Palavra de índio
Dia desses, li uma carta de 1855. De um cacique de uma tribo indígena americana. È um texto de domínio público, divulgado pela ONU- Organização das Nações Unidas. Trata-se de uma carta supostamente enviada pelo Cacique Seattle ao presidente Franklin Pierce, dos Estados Unidos, em resposta a uma proposta que esse lhe fizera. O governo queria comprar parte de seu território indígena que estava sob seus cuidados.
Como História é algo que continuamente está sendo escrito e não é definitivo e até parece com história, narrativa em que cada um aumenta um ponto, há controvérsias a respeito dessa carta. Por exemplo: na carta, o autor diz que o homem branco estava matando búfalos das janelas do “cavalo de ferro”. Segundo estudiosos, faltam evidências de contemporaneidade, pois em 1855 não havia búfalos naquela região indígena e nem o “cavalo de ferro”, que seria o trem-de-ferro, passava por lá e, pelo que está registrado _ na História_ o cacique nunca havia andado por outros domínios. Outra polêmica está relacionada ao fato de a tribo do cacique não ter sido alfabetizada e em conseqüência disso, ele não poderia ter escrito, do próprio punho, tal carta. Levanta-se também a possibilidade de tal missiva ter sido escrita por um mestre que fora diretor de escola em região próximas às terras do Cacique Seattle, o qual conhecia bem a língua falada pelos indígenas e teria transcrito palavras do chefe indígena. Outras discussões existem, como por exemplo que o conteúdo da carta foi levado ao conhecimento do povo em 1887, através de um jornal de Seattle que publicou fatos narrados pelo diretor de escola que entendia a língua da tribo do Cacique Seattle. O que se tem de certo nesse caso é que o escrito original nunca foi encontrado, não se acha em arquivos históricos da cidade de Seattle e nem do governo dos Estados Unidos. No entanto, trata-se de um texto antigo, tido como verdadeiro pela tradição e cujo conteúdo se mostra atual, como se tivesse sido escrito ontem ou hoje.
É um texto poético, verdadeiro e que fala, às vezes com metáforas, às vezes com palavras diretas, de como o índio e suas terras foram subestimados pelos colonizadores e de como o homem – cidadãos e governantes_ vêm maltratando a natureza, desde que foi decidido que se deveria priorizar as modernidades.
Nas próximas linhas vou lhes mostrar alguns trechos dessa carta, hoje conhecida no mundo inteiro, justamente por expressar o sentimento da maioria dos habitantes da Terra, que entende que o presente e o futuro do planeta estão ameaçados pelas más ações de muitos, que preferem deixar seus problemas para outras pessoas sofrerem ou resolverem:
“_ O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar nossa terra[...] O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas: não perdem o brilho. Mas como é possível comprar ou vender o céu, o calor da terra? É uma coisa estranha. Não somos donos da pureza do ar e do brilho da água. Como alguém pode então comprá-los de nós?[...]
_ Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é o mesmo que outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de esgotá-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem nenhum sentimento. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos... Não há paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o som do desabrochar da folhagem na primavera. O zumbir das asas dos inseto[...] O índio prefere o sussurro do vento sobre o espelho d’água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com perfume de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.[ ...] tudo que fere a terra, fere também os filhos da terra.[ ...] quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; é o fim da vida e o começo da sobrevivência [...] ”
Parece mesmo um discurso necessário, não é mesmo, caro leitor? Será que o homem de hoje tem se importado com o ar que respira? Será que o homem tem se preocupado com os desertos que estão formando? Será que o homem de hoje está percebendo que está roubando o direito a herança aos recursos naturais de própria descendência?
Quem sabe, se o homem dos dias de hoje prestar um pouco de atenção nas palavras da carta de um índio (ou de alguém que a tenha escrito ainda no século XIX), acaba acrescentando um ponto novo à História e permitindo que essa lhe seja mais favorável como também aos seus descendentes, no hoje e no amanhã?