AO PÉ DA LETRA

Alfredo era uma daquelas criaturas que levava tudo ao pé da letra. Caatinga para ele era cheiro ruim. A Genoveva se esforça para explicar que era um tipo de vegetação característico do nordeste brasileiro, mas ele revidava: Catinga é morrinha, fedor. Esse povo inventa colocar mais um “a” na palavra pra mudar o sentido.

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Ele se irritava porque na televisão agora só falava em homossexual. Todo meio de comunicação noticiava que a Daniela Mercury declarou que gosta de outra pessoa com seu mesmo sexo. E o tio Alfredo ficava resmungando, que bestagem é essa que estão criando? Homossexual é sabão para lavar as partes íntimas minha gente.

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Que eu saiba, dizia ele, abreviatura é ato de abrir o carro da polícia. Mas o povo quer complicar, o menino ali da esquina só porque foi estudar na capital “tava” querendo ensinar Pai Nosso ao vigário, mas não me convenceu foi nada. Ele quer enfiar na minha cabeça que abreviatura é redução de uma palavra, eu acredito é muito. Nada a ver.

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Comigo tudo é ao pé da letra. Se for pra colar tem que ser com cola. Se é pra grudar tem que ser grude. Aí, o seu Mundico perguntou só pra infernizar. Pois seu Alfredo se for para usar o durex como é que se diz então? Ora. Ora, durecar como poderia ser? Você sabe que eu perdi um emprego porque meu chefe me deu uns cartazes e mandou que os grudasse nos corredores. Como não tinha grude eu não grudei nenhum. No dia seguinte ele mandou me chamar abusado e eu expliquei porque não fiz o que me foi ordenado. Ele perguntou com voz exaltada:

- Seu Alfredo, porque você não grudou os cartazes?

- Porque não tinha grude.

Ele empurrou na minha cara um frasco com cola e perguntou o que era aquilo. Eu respondi.

- Isso é cola e o senhor não mandou colar, mandou grudar.

- Despedido, esta foi a última palavra dele.

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Sai arrasado do escritório do chefe. Eu precisava daquele emprego. E o pior que o errado era eu. Tem um ditado que diz “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. E eu tenho juízo fui tentar obedecer, deu no que deu. O mundo é assim, cheio de injustiças.

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Minha cabeça ardia, os colegas ficaram com muita pena de mim. Uns traziam água com açúcar, outros diziam que eu iria encontrar outro emprego e o João meu amigo e meu irmão, companheiro de trabalho por muitos anos, sugeriu que eu fosse para casa esfriar a cabeça. E foi o que fiz. Cheguei em casa peguei todo o gelo que estava no congelador, enrolei numa toalha e coloquei na cabeça.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 11/04/2013
Reeditado em 11/04/2013
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