A Confissão

(baseado em fatos estritamente reais)

Ali no ponto do ônibus não poderiam demonstrar nervosismo. Na verdade não estavam nervosas. Talvez desgastadas. Oscarina vinha se queixando há algum tempo do joelho. Meio avermelhado agora, além de continuar inchado. E Isolda com seus problemas conjugais. Que Oscarina reconhecia serem piores que os seus.

Eram amigas desde o tempo em que o filho de Isolda, bem pequeno ainda, nutria uma verdadeira paixão por Oscarina. Agora, já na faculdade, as coisas tinham mudado. E muito, a ponto de o rapaz ter sido obrigado a interromper os estudos pela falta do apoio do pai. Que gastava tudo o que tinha com a amante, bem mais nova que ele. Isolda não tinha renda. Um caso clássico. E clássico também porque Isolda tinha por rival uma vizinha que não saia da casa deles.

Oscarina trabalhava na casa de Joyce duas ou três vezes por semana. Tarefas domésticas. Uma relação, contudo, em que não havia apenas o peso profissional. Tanto que às vezes ela também atendia à Martina, irmã de Joyce. As duas irmãs tentavam convencê-la de que, apesar do joelho inchado e da indisposição de que vinha se queixando, o problema de Oscarina devia ser coração. Insistiam que ela devesse procurar um cardiologista.

Mas não era isso que ela e Isolda agora iriam procurar. Isolda tivera notícias, através de outros vizinhos e amigos, de que existia um padre cujos atendimentos haviam resolvido os problemas de muita gente. O padre já estava ficando famoso.

A igreja do padre situava-se no subúrbio, lado oposto à casa de Joyce, que morava na zona sul. Oscarina ainda pensou nas dificuldades que Joyce pudesse estar enfrentando com a sua ausência nesses últimos dias. Embora não fosse insubstituível, não seria assim tão fácil arranjar alguém de uma hora para outra.

Como era no início da tarde, não levaram muito tempo para chegar ao destino. Não sabiam o endereço certo, mas todos deviam conhecer o tal padre. De fato, logo apareceram duas senhoras, ali mesmo no ponto onde desceram, que lhes deram as indicações de como encontrar a igreja do padre. Era perto. Teriam que atravessar a rua movimentada em que se achavam e andar por uns 60 metros, na avaliação das informantes. Depois andariam mais um pouco até encontrarem na mesma calçada o primeiro posto de combustível. A igreja ficava ao lado. Oscarina pensou em seu joelho, mas animou-se também ao ver certo brilho nos olhos da amiga.

Mesmo que o sinal abrisse, os carros deveriam esperar um pouco. Afinal não eram duas mulheres novas que estavam atravessando.

Já no outro lado da rua, notava o aumento da sua própria curiosidade. Certamente motivada pela expectativa de Isolda. Em cujos olhos não via agora o rancor que aparecia quando falava da vizinha que lhe enfeitiçara o marido. “Ainda vou dar umas boas porradas naquela mulher”. Como no dia em que os dois chegaram bem tarde. O táxi deixara Agostinho na esquina e viera parar quase ao lado de sua casa para que a amante descesse. Furiosa, Isolda agarrara a vizinha pelos cabelos, aplicara-lhe alguns tapas e o motorista teve que intervir para que não houvesse coisa pior. Agostinho, andando lá atrás, evitara se aproximar.

Oscarina lembrava-se disso e sentia vergonha de que pretendesse sorrir. Afinal era muito sofrimento para a amiga. Tanto que a fizera procurar por esse padre, de que todos falavam, acreditando que ele pudesse ajudar de alguma forma. O que não deixaria de ser bom para as duas. Ela com os seus problemas do joelho, ou do coração. E Isolda com aquela inesperada tragédia conjugal.

- Mas é aqui, nesse galpão?

- Vai ver a igreja ainda está em construção, ou coisa assim, respondeu Isolda, procurando tranqüilizar Oscarina.

Por trás do amplo galpão havia uns cômodos onde o padre deveria prestar seus atendimentos. Oscarina, por algum motivo, lembrou-se do tempo do internato, quando adolescente, no colégio de freiras em Petrópolis. Sua mãe fora obrigada a matriculá-la com sua irmã no colégio por não ter condições de criá-las com o pouco rendimento que tinha como cozinheira. Confissão com os padres era quase todo dia. As freiras não abriam mão. Especialmente no caso de meninas respondonas, como Oscarina. Talvez ela estivesse agora tendo a chance de se confessar de novo.

Não tiveram que esperar muito. Oscarina foi logo chamada.

Encontrou o padre sentado, as mãos sobre a mesa. Ela sentou-se na cadeira em frente à mesa. A mão direita do padre cheia de anéis, que pareciam de ouro, a outra com um atraente relógio, possivelmente do mesmo metal. Uma vela amarela de altura imensa no canto da mesa.

- Bem, minha filha, o que o padre pode fazer por você?

- Olha, padre, estou vindo aqui...

- Não diga nada, minha filha. Já sei de tudo. Fizeram um “trabalho” pra você com um sapo. Pra que nada dê certo em sua vida.

Oscarina levou um susto. Mas logo assim, direto? Será que esse padre tem poderes, como dizem, mediúnicos? Nem minha mãe de santo disse isso! Oscarina lembrava-se do terreiro que frequentava na Piedade.

- Mas isso é fácil de resolver, continuou o religioso. Você vai me dar R$ 400,00 e essa porcaria de “trabalho” deixará de existir.

Oscarina levou um tempo para responder. Não tinha aquele dinheiro ali. Mas sentiu-se impressionada. E ainda sob o impacto daquela recepção, resolveu dizer:

- Tudo bem, padre. Uma outra hora volto aqui, pois agora não tenho o dinheiro.

Isolda entrou logo em seguida. Não demorou muito também. Ao sair, Oscarina ficou sabendo que com a amiga sucedeu o contrário. O padre tinha lhe oferecido uma quantia para que ela se livrasse de seus problemas. Talvez por estar ainda um pouco confusa e sem saber o que dizer, Isolda não teve como lhe revelar o valor. Oscarina tinha certeza de que saberia depois.

Rio, 10/04/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 10/04/2013
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