Marmitas, pirataria, tomates, etc.

Vocês vejam só que coisa. Outro dia saiu no jornal que Brasília é uma das capitais mais caras do país para se comer fora. Modéstia à parte, eu já havia percebido. Tanto é assim que dias antes eu havia decidido almoçar uma marmita de rua - essas irregulares mesmo, em que o sujeito não paga imposto. Tornei-me, portanto, conivente com o crime. E foi então que percebi o seguinte: no Brasil não se dá condições para que a lei seja cumprida. Pior ainda: muita gente morreria de fome se cumprisse a lei.

Não imagino que alguém compre uma marmita de rua por achar que elas sejam mais saborosas do que a comida dos restaurantes (embora normalmente sejam mesmo). O sujeito compra porque percebeu que há uma significativa diferença no preço. Ele quer gastar menos. E, acreditem, ele não busca essa economia porque é pão-duro: busca porque senão vai acabar faltando dinheiro no fim do mês.

Do outro lado, vendendo a marmita (ou seja, cometendo o crime) está alguém que normalmente mal via a cor do dinheiro quando trabalhava em algum escritório. Precisou dar os seus pulinhos para conseguir pagar as contas. Assim como eu precisei dar os meus pulinhos para comer dignamente. Dois contraventores, portanto.

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E também tem a questão da pirataria, que é mais ou menos a mesma coisa. O Sistema (aqui entendido como a personificação do Mal) seduz o cidadão para que ele consuma seus bens culturais (músicas, filmes, e de vez em quando até livros). E o cidadão não resiste: deseja realmente consumir. Mas, vejam só, não tem dinheiro para isso. De repente, aparece a possibilidade de comprar uma cópia pirata, bem mais em conta. E lá vai o cidadão todo feliz, estimulado pelo Sistema, cometer um pequeno delito. Assim saciará um desejo incentivado pela mesma mídia que depois noticiará as bonitas destruições de produtos piratas.

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- Os livros não precisam ser proibidos pela polícia. Os preços já os proíbem (Eduardo Galeano).

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Como não falar em tomates? Os preços estão tão salgados que podem até causar hipertensão. Realmente, é de se espantar. Mas acreditem, não há ninguém que tenha se espantado mais do que o próprio tomate. Vocês deviam ver a cara dele quando foi tirar extrato. Sei de gente que decidiu improvisar e colocar caqui na salada. Parece, não parece? Eu só queria ver se haveria tamanha comoção se no lugar do tomate fosse o brócolis.

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Deixa eu ver se entendi direito: agora as crianças de quatro anos de idade serão obrigadas a ir para a escola. Muito bem. Com as crianças desde cedo na escola, os pais podem trabalhar mais. Trabalhando mais, os pais ganharão mais dinheiro. Ganhando mais dinheiro, eles consumirão mais. E, consumindo mais, o Brasil crescerá a olhos vistos.

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Vigiai, vigiai para que não chegue o dia em que você se torne tão alheio ao resto do mundo que alguém possa te chamar de Zeca Camargo. Outro dia ele escreveu uma coluna para o Estadão falando sobre o preço alto dos jantares em São Paulo. E começava o texto assim: “Você lembra quando percebeu que o jantar de R$ 150 virou rotina?”.

Poxa Zeca, você acredita que eu não lembro?

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 10/04/2013
Reeditado em 10/04/2013
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