Aos que não creem: para procurar inverdades
AOS QUE NÃO CREEM: PARA PROCURAR INVERDADES
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 10.04.13)
Trata-se de um documentário. Um documentário repleto de despachos, telegramas, cartas, informes, relatórios, avaliações e sugestões. E mais: pleno de gravações, fotografias e filmagens. São conversas, encontros, reuniões, confabulações e conspirações expostas às claras.
E se, de repente, uma potência estrangeira decidisse invadir o Brasil e tomar militarmente o País, de que lado ficaríamos?
E, para piorar, se essa decisão de invadir o Brasil, de nos submeter pelas armas, não tivesse nenhuma motivação nobre, como a defesa da democracia, das liberdades, dos direitos humanos ou de princípios filosóficos, mas apenas a proteção dos interesses comerciais e econômicos do invasor, como nos veríamos e nos portaríamos frente a isso?
E se nem ao menos fossem levantadas vagas e difusas questões religiosas (a religião tantas vezes usada como pretexto para as guerras levadas a cabo sempre de olho nos negócios e nos lucros) para tentar justificar a invasão do Brasil por uma potência estrangeira, invasão que só visasse os objetivos do comércio exterior do invasor, o que faríamos então e, especialmente, o que diríamos, na hora e depois, aos nossos amigos, aos nossos filhos e aos nossos netos?
E se, para atingir a meta planejada - a invasão militar do Brasil por uma grande potência com fins escusos e rasteiros, ou seja, por dinheiro -, fosse empregada uma quantidade enorme desse mesmo dinheiro para mentir, subornar, forjar, enganar, iludir e tapear a opinião pública, qual seria o nosso grau de revolta com uma situação dessas?
E, além disso tudo, qual seria a nossa taxa de indignação e de repúdio com relação aos brasileiros que apoiassem essa invasão militar do Brasil para atender aos interesses econômicos da potência invasora, tenha esse apoio sido dado por ingenuidade ou, conhecendo os bastidores da ação, por interesses políticos, financeiros e de assalto ao poder?
Alguns daqueles poucos que chegaram até aqui podem estar se dizendo que só acreditam em evidências não contaminadas por ideologias. Com isso, estarão a dizer que só creem naquilo que provier dos Estados Unidos, única nação insuspeita do mundo. Que ótimo.
E se tal documentário estiver recheado de papéis, fotos, gravações e imagens, até há pouco classificados como "top secret", liberados pelos Estados Unidos, e for conduzido por três pesquisadores, a saber, Peter Kornbluh, Coordenador dos Arquivos da Segurança Nacional dos EUA, James Green, Historiador da Brown University, dos EUA, e Carlos Fico, Professor de Teoria e Metodologia da História na UFRJ?
O plano dessa invasão existiu e, em março de 1964, uma formação da Marinha de Guerra estadunidense deslocou-se para fundear em frente ao porto de Santos. Só não deu um único tiro porque, cá dentro, não se deu um único tiro para reagir ao golpe de Estado planejado pelos EUA, com surpreendente participação do embaixador Lincoln Gordon na defesa dos interesses comerciais das empresas do seu país. Só se começou a dar tiros contra o golpe muito tarde, depois do AI-5, de 1968, quando os tiranos se fizeram ainda mais sanguinários.
O documentário, de título "O Dia que Durou 21 Anos" (está hoje num cinema e não pode ser perdido!), é uma vigorosa aula de História que deveria ser levada a todas as escolas do Brasil. Só poderá falar de 1964 e de ditadura ("ditabranda", no deboche de alguns) quem assistir a esse filme que, pela origem insuspeita da sua matéria-prima, está isento de conotações ideológicas.
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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.
"Enquanto não fabricarmos nossa própria mecha e nossa própria pólvora, enquanto não adquirirmos uma consciência visceral da necessidade de nossa própria explosão, de nosso próprio fogo, nada será profundo, verdadeiro, legítimo, tudo será uma simples casca, como agora é casquinha, só casquinha, nossa tão apregoada democracia. E se nossos próceres, incluído seu avô, podem dizer impunemente que têm as mãos limpas, isso só se deve a que nosso conceito de higiene política deixa muito a desejar."
Mario Benedetti, Gracias por el Fuego.