TRANS sexualidades.

Por Carlos Sena


 
Chego numa roda de amigos e está uma discussão polêmica acerca de uma matéria na TV. A matéria era sobre um garoto de aproximadamente seis anos que não aceitava se vestir de menino, nem tampouco usar o banheiro masculino na escola. Onde teria isso acontecido? Nos EUA – onde tudo geralmente acontece, ou pelo menos nos dá essa sensação. Discussão a parte, parte-se daí os conceitos adormecidos e os preconceitos estabelecidos. Infelizmente a nossa geração dita moderna tropeça nisso como se novidade fosse. Algo como engolir uma boiada e se engasgar com um mosquito. A boiada seria a tecnologia de ponta e o mosquito a sexualidade desconhecida por grande maioria de pessoas. Detalhe: cada um carrega consigo ou um pênis ou uma vagina e, mesmo assim, nessa ortodoxia muitos se perdem em preconceitos. Preconceitos como, por exemplo, sexo oral ou mesmo sexo anal! Preconceito que pode acabar com um casamento estável como um que tivemos conhecimento no interior de Pernambuco: um casal chegou à separação porque a esposa falou para o marido que queria sexo anal. Ele disse que sexo anal ele tinha com as raparigas, com as putas da rua! Com o tempo, a relação desandou e houve a separação. Agora multipliquem isso por dez para as práticas pouco comuns de sexo e sexualidades entre casais hetero. Dizemos heteros porque nas relações homossexuais é que o “caldo entorna” no quesito compreender. Não fosse isso a questão do grupo de amigos acima talvez nem houvesse sido verbalizada. Mas, certamente, não é fácil para uma sociedade como a nossa compreender de cara, as questões da transexualidade, mesmo da homossexualidade. Neste caso, a transexualidade tem que ser vista isoladamente e, de certa maneira, fora do contexto homo ou hetero. Isso não significa que os transexuais não pertençam ao grupo LGBT. Mas, urge, no momento, focar mais acerca do caso da criança que, diferente dos transexuais adultos (geralmente confundidos com Gays) carece de atenção dos adultos, principalmente dos pais. Uma coisa leva a outra, mas esse caso da reportagem nos remete à seriedade que o caso requer pelos seguintes motivos: 
a) uma criança aparentemente do sexo masculino jamais se vestiria de mulher se dentro dela não existisse o comportamento feminino; 
b) o papel dos pais foi definitivo para compreender seu filho/a diante da singularidade do assunto e da crise instalada na identidade de gênero da sua filha/o; 
c) o papel da escola ficou manchado – pois ela, a escola, ignorava esse viés importante do ser humano! No mínimo ela não quis entender pelo prisma da medicina, talvez ignorando que não houvesse por parte da medicina alguma razão para se entender que aquela criança sendo externamente homem, internamente era mulher, ou menina, para ficar mais alinhado. 
d) a sociedade pode ver um caso de transexualidade fora do prisma da lógica gay e como um caso que a medicina pode intervir com sucesso. Dito diferente: o transexual vive uma realidade por fora e outra por dentro, pois sendo homem por fora ele é mulher por dentro, no sentimento e nas atitudes e nas emoções. Isso também ocorre com a menina que se sente menino por dentro. 
e) A medicina intervém e, ao que tudo indica, as pessoas passam a “funcionar” em AM ou FM dependendo do que a sua genética determinar no quesito IDENTIDADE DE GÊNERO. 
No decorrer da conversa, os amigos se acalmaram, mas se confessaram confusos. Daí não foi difícil conversar sobre outras variantes e variáveis que compõem o mundo LGBT. Questões simples como homens gays que foram casados e tiveram filhos; questões acerca do famoso estereótipo do “ativo e passivo”, ou seja, “quem dá e quem come” nas relações homossexuais masculinas. Nas femininas, quem assume o papel de homem ou de mulher e por aí fomos conversando. Parte da ignorância da conversa não foi por conta da falta de conteúdo dos amigos. Foi, acima de tudo, por conta do machismo que, nuns mais e noutros menos, está presente ainda na maioria dos nossos homens. Como eles gostam de ser chamados: machos. Mas, a compreensão que temos que ter nesses tipos de conversas, mesmo em sala de aula ou em palestras, perpassa pela compreensão cultural dos processos em que as pessoas viveram, vivem e talvez continuem vivendo, infelizmente.  Porque durante todo o “papo” não se falou em sentimento, em ser feliz. Falou-se chavões tipo: “não tenho nada contra”, embora tendo! Porque “não ter nada contra” se explicita no dia a dia e nas atitudes para com os outros sem querer saber o apito que fulano ou beltrano toca. Perguntei a esse amigo que me disse que “não tinha nada contra”: se você tivesse um filho gay, o que você faria? – Tá louco, meu! Deus me livre de uma hora dessas! Provei pra ele que ele tinha “tudo contra”... Agora imaginem vários homens juntos falando em comer mulheres e imaginando que são machos? Pasmem: no meio deles tem um monte de “enrustidos” – casados e com filhos, mas dando uma de todo poderoso na questão de comer mulher como se elas fossem um sanduiche. No final do papo ninguém morreu. Apenas eu tive a nítida certeza de que eles saíram meio zonzos diante das suas ignorâncias acerca de sexo e sexualidade. Foram postos no mundo para serem dicotômicos e, na menor possibilidade de conviverem com uma terceira alternativa se desesperam. Nessa hora a ignorância não os socorre, mas ajuda ainda mais a entrarem nas trevas do preconceito. Em casa fiquei pensando: imaginem se esses moços soubessem que a questão da sexualidade tem mais mistérios que a nossa vá filosofia possa imaginar, como nos disse o filósofo grego. Reflito: será que eles sabem distinguir um produto com gordura TRANS de uma mulher transexual? Ou mesmo a diferença entre uma Transexual e um travesti? Ou mesmo compreender que alguém pode se vestir de mulher sem ser gay? Ou mesmo entender que dois gays não representam o imaginário de home e de mulher? Ou mesmo entender que ser gay não significa não ter ereção por mulher? Ou mesmo entender que “ser feliz é tudo o que se quer, ah esse maldito fechecler!?