Num mundo inusitado: a feira

Passeando numa cidade de um interior de um estado qualquer...

Numa manhã de um sábado qualquer...

Numa feira qualquer.

Entramos em uma farmácia. Ah! Sim?! A farmácia é um dos mais bem sucedidos empreendimentos de uma cidade do interior e o mais movimentado num dia de feira. Lá como em qualquer farmácia de qualquer parte do mundo, buscamos alívios para todos os males, inclusive quando entramos só para comprar um picolé ou um pacote de algodão, ou um...

Esta? Nos dias atuais infelizmente está sempre cheia.

De lá dessa farmácia, se saíssemos à porta do Norte ouvíamos um som de um brega qualquer. Se saíssemos ao Leste, chegava-nos aos ouvidos outra “página” do cancioneiro popular.

De tudo se ouvia, se via, se comprava, se vendia...

As pessoas vendiam suas pequenas produções e compravam outras produzidas pelo vizinho, pelos parentes, pelos amigos, e, até mesmo de alguns estranhos que aos poucos vão tornando-se conhecidos, depois amigos, compadres...

Vendia-se ovos caipiras e comprava-se vegetais e ervas.

Vendia-se queijos de coalhos e do sertão e, comprava-se a mistura/carnes e outros artigos de mercearias.

Vendia-se verduras

Produzidas na horta do quintal

E comprava-se linhas, botões, agulhas,...

Vendia-se um conjunto de malas de madeira pintadas na cor de cenoura com detalhes em preto e marrom, revestidas com folhas de revistas.

Vendia-se facas, facões, colheres-de-pau,

Mangueiras,

Peneiras,

Cestos,

Esteiras,

Chapéus, beijus, bolos, gomas e tapiocas

Panelas de barro,

Frutas, Verduras,

Temperos, correntes...

VENDIA-SE GAIOLAS E PASSARINHOS?!

Como diria minha tia:

- Na feira se compra até frei pra gato!

Há aqueles que nem compram nem vendem.

Pedem...

Na feira encontramos os compadres, os vizinhos, os parentes distantes, os amigos e também fazemos amigos.

Na feira evidencia-se o status de cada membro da comunidade através dos meios de transporte que fazem uso, das vestimentas...

Ah! A importância de fulano e a subserviência de seus seguidores!

Quem mora longe, quem mora perto.

É palpável a diferença social que lá se estabelece.

Percebia-se quando uma pessoa, geralmente do sexo feminino não fazia parte do universo urbano. Sua “veste de festa” - sapatos de saltos altos que a desequilibra a todo instantes e vestido brilhoso cheios de babados.

Vestes de mulher para festejar.

O importante é que nada desequilibra a postura dessa “mulher”.

Ela estava se sentindo PODEROSA! Com seu melhor canário! Assim, diria Maria Terta, um personagem da nossa infância.

Fazendo uma referencia (in memoriumm) com carinho, Maria Terta e Chico Suprino, seu esposo, eram de uma ingenuidade e simplicidade ditos dos “caipiras”, “dos ribeirinhos”. Para ir à feira ou passear Maria vestia-se com um vestido azul, “seu canário de festas”.

Seu falar também se destacava. Quando visitava a casa dos meus avós e era convidada a sentar-se à mesa, Maria agradecia e dizia:

- Agradecido Dona Tonha. Já tô comida, ida. (Antonia era minha avó).

Tudo na feira é comum a todos, mas tão diferentes.

Todos na feira tem os mesmos objetivos, mas interesses diferentes.

Pouco se vê nas feiras os jovens comprando. Mas, os vemos vendendo, carregado bolsas, acompanhando os familiares, ... .

A feira é o evento social mais esperado da cidade. Esse dia é planejado durante a semana - por 7488 horas, por seis dias de todas as 52 semanas de ano.

Para a feira, todas as casas se organizam para receberem os visitantes.

Contratam-se novos vendedores exclusivamente para o dia da feira.

A Igreja celebra missa em horários diferenciados para atender as necessidades dos seus fiéis.

Na feira, há muitos cheiros, tantos sabores, tantas cores, tantos sons e tantas palavras.

Na feira há um número de bancas diferenciadas ou comuns de gêneros com a marca registrada do seu dono como a banca de Zé das Carças, outro personagem que conheci noutra feira.

Ir a uma feira é viajar para outra galáxia.

A feira também demonstrava o andamento antecedente do pleito eleitoral. É impressionante!

Poderíamos dispensar qualquer instituto de pesquisa de opinião. A cidade fica enfeitada parecendo um arraial junino. Bastaria contratar um recenseador para contar as bandeiras verdes e azuis, amarelas, brancas, ..., de uma coligação e as vermelhas de outra.

Bastaria ouvir as falas em defesa dos candidatos A ou B.

Onde não tem bandeiras, sabe-se: estão declaradamente indecisos ou em cima do muro. O que dá no mesmo. Indecisos porque não sabem qual partido ganhará. Não sabem onde poderão tirar proveitos.

Sem bandeiras são também os votos brancos e nulos, dos desiludidos, dos “errados”.

Com certeza, as casas estão preparadas para o evento político e politiqueiro que também perpassa a feira. Que se apodera da feira para coexistir. Quando mais uma vez, evidencia-se a procedência dos eleitores e dos seus candidatos que levaram os eleitores para formarem filas imemoráveis.

Quando os eleitores estão na fila para votarem, numa aparente igualdade, há uma nova desigualdade. Como os locais de votação são sempre apertados, para transitarem os espaços, precisam atravessar as filas e, aí acontece uma nova separação.

Os sitiantes do cidade, mais uma vez são destacados. Adivinhem onde fica a passagem no meio da fila? Claro! Entre os sitiantes. Os moradores da cidade só atravessam a fila onde há gente olhando para baixo. Nunca se atrevem a atravessar a fila quando o olhar tem altivez.

Mas, muitos furam a fila para antecipar a sua vez.

Tudo é inusitado, como é também inusitado o período das campanhas políticas.

Tudo é inusitado como o é um dia de feira.

Sugiro-lhe um passeio ao mercado ambulante de qualquer cidade do interior que lá encontrarás de um tudo.

Observando o olhar das pessoas que caminham pela feira, percebíamos que os moradores da cidade de classe baixa andavam com a cabeça erguida num ângulo de 90º, ou seja, o olhar era direcionado “no rumo do pau da venta” e, com um gingado diferente no andar. Os ditos de classes mais elevadas, inclusive os sitiantes-patrões, erguiam a cabeça num ângulo de 110º. Embora sempre haja pedras no caminho.

Já os políticos apenas sorriem e apertam as mãos de todos. Embora as limpem depois.

E os sitiantes empregados-moradores? Estes mantêm seu olhar sempre baixo, num ângulo de 89º. Porque são curiosos e querem conhecer a nova moda da cidade.

No universo feirante que quer ganhar ares de cidade grande, tudo é diferenciado. Todos aparentemente se misturam. Só aparentemente. Por que?

Essa é uma outra nova história.

Anaraujo
Enviado por Anaraujo em 09/04/2013
Código do texto: T4231417
Classificação de conteúdo: seguro