O poeta Chico Buarque

Talvez a mais importante obra de Chico Buarque, “Construção” é um belíssimo poema, capaz de fluir facilmente e com melodia na própria letra.

Chico Buarque é um poeta de muitos recursos. É bom que se recorde que na sua infância e juventude, tinha em casa, além da companhia do velho Buarque de Holanda, muitos amigos deste, todos intelectuais de primeira água.

Seu parceiro de música e copo, Vinícius de Morais, era um dos que estavam com frequência na casa do então menino Chico. Ora, não é novidade para ninguém que Vinícius é um dos maiores poetas brasileiros. Nesta época o talento do compositor já sofria influência de Noel Rosa; Chico jamais negou isto. Parece mesmo que é um motivo de orgulho.

Não tenho intenção de biografar o artista. Prendo-me à música e principalmente a letra de “Construção”. Ela está feita, toda, em versos dodecassílabos, e a última palavra de cada verso é sempre proparoxítona. Com acentuação perfeita, é cantada com extrema facilidade, mesmo com poucas rimas, quase inexistentes. É exemplo nítido que a poesia pode soar sem rimas, mas só quando feita com grande conhecimento deste ramo da arte literária. Sem esta exigência, os resultados são sempre drásticos.

Passo a letra da obra famosa. Contem as sílabas poéticas e comprovem que todos os versos são alexandrinos, sem ser um soneto, mas um longo e belo poema.

“Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único

E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina

Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro

E se acabou no chão como um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último

Beijou sua mulher como se fosse a única

E cada filho seu como se fosse o pródigo

E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música

E flutuou no ar como se fosse sábado

E se acabou no chão feito um pacote tímido

Agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina

Beijou sua mulher como se fosse lógico

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas

Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Morreu na contramão atrapalhando o sábado.”

Está posta a questão. Melhor, só escutar a música.