Mea culpa!
Levantei os olhos e vi. Eis que diante de mim, há cerca de cinqüenta metros, vinha alguém, meio cambaleante, caminhando com dificuldade, sob o peso de vários, muitos, sacos de garrafas pet e outros plásticos. Mais próximo de mim, consegui ver, com melhor nitidez a figura que caminhava sob o peso. Era uma senhora, meio andrajosa, cuja aparência esquálida e sofrida lhe impunha setenta anos. Eu olhei para o seu rosto plácido e cândido, magro e crestado pelo sol; as marcas da idade e do sofrimento vincavam, sem piedade, o contorno dos seus olhos, cujo olhar era distante e incerto. Ela passou por mim, lentamente, e se foi. E eu sofri.
Por que sofri? Eu sempre sofro ao ver pessoas sofrendo. Eu sofro pelo sofrimento delas, mas sofro muito mais porque me sinto culpado pelo sofrimento delas. Desde menino, quando eu ainda chorava escondido atrás da porta, esses sofrimentos me maltratam.
No ecossistema, para que haja equilíbrio ecológico, precisamos ter os grandes predadores; mas precisamos também dos fungos e bactérias que, vivendo do lixo, decompõem as substâncias orgânicas que ali são descartadas. Na sociedade precisamos dos grandes industriários, mas precisamos também das pessoas que catam, entre o lixo, os recicláveis.
O problema é que a senhora que vi catando lixo para reciclagem deveria estar em casa, assentada à varanda, fazendo crochê, cuidando das plantinhas do seu jardim, ou contando histórias para os seus netinhos; e não catando lixo para comprar comida.
Quando vejo isso, sinto-me culpado. Sinto-me culpado por ter alimento em minha mesa, enquanto outros passam fome. Quando reúno a família para dar graças pelo alimento, às vezes sou impelido a pedir perdão, porque tenho comida em casa, e outros não a têm. Sinto-me culpado por ter onde morar; enquanto outros vagam errantes, de marquise em marquise, de sarjeta em sarjeta. Sinto-me culpado porque amo e sou amado; enquanto há tantos que só conhecem o ódio. Sinto-me culpado porque conheci Jesus, a Luz da minha vida, o qual me deu perdão, salvação e esperança; enquanto há muitos em trevas, subjugados pelo peso da culpa, perdidos e desesperados.
Oh, meu Deus! Mea culpa, mea máxima culpa; por quê?
(Extraído do meu livro: O Cronista)