RIO, LEMBRANÇAS, SAUDADE, TRÁFICO.

Até aos seis anos de idade morei em uma casa na qual nasci e que fazia divisa com um pequeno córrego que chamávamos de riozinho. O lugar era muito sujo e perigoso, as casas em que o rio fazia fundos, jogavam as descargas dos banheiros diretamente na água, cacos de vidros eram comuns e os cortes nos pés também . Eu e meus irmãos ficávamos quase que o dia todo naquela insalubridade e ganhamos resistência e saúde. Quando chovia forte, nosso quintal inundava e as vezes até a casa, mas toda chuva era bem vinda porque formavam bancos de areia que era retirada e depois vendida. Na época das águas meu pai colocava um fio de luz por cima do rio lá pelas quatro horas da manhã e retirava a areia colocando-a ao lado. Durante o dia eu e meus irmãos jogávamos a areia para a parte de cima do terreno. À noite meu pai colocava de novo o fio de luz e retirava novamente a areia que se acumulara durante o dia. A areia recolhida era peneirada e armazenada pois no período das águas todos os vizinhos tinham areia para vender e meu pai só vendia quando ninguém tinha e assim cobrava mais por ela. Quando coávamos a areia em um peneirão inclinado eram encontrados botões de roupa e botão era caro, por isso todos eram levados para minha mãe que usava em consertos de roupas. Quando o volume de água era pequeno gostávamos de estancar o rio, íamos fazendo uma barreira alta em toda a extensão e deixando a passagem da água em um local que ao final era fechado com rapidez formando uma pequena represa. Para evitar que se abrisse ficávamos colocando areia e pedra em um canto e outro e quando o volume de água acumulado satisfazia, arrombávamos de uma vez só para ver o tropel, a enxurrada. Nunca consegui vencer um desafio, sempre tive o desejo de seguir sozinho rio acima e chegar até uma ponte que dava saída para uma rua e voltar para casa pela rua de cima. Tinha eu menos de seis anos e toda a vez que tentava, a água começava a ficar mais funda devido a buracos e os barrancos laterais se tornavam ameaçadores para mim. Barrancos altos com arvores escurecendo o local e por baixo cavernas cavadas por baixo das raízes e com grande acumulo de água de onde para mim poderiam morar cobras e outros bichos pavorosos. Agora passadas mais de cinco décadas, vejo o local por imagens de satélite e no lugar do rio existe uma grande avenida, onde havia casinhas de nossos vizinhos foram construídas casas modernas, os edifícios de apartamentos já são vistos próximos dali. Tudo ficou mais bonito dependendo da maneira que se olha. Já me informaram para não visitar o local, a avenida que ocupa o local do rio é um ponto de drogas e tráfico em toda sua extensão, a bandidagem tomou conta do lugar, onde os assaltos são freqüentes. Ficou muito perigoso passar ou dar bandeira por ali. A inundação que tínhamos medo tinha menos perigo do que a inundação de drogas, as descargas fecais eram produto de um processo alimentar, os merdas que circulam por lá atualmente são produtos de uma sociedade falida, quebrada e podre, os monstros que eu imaginava existir nas partes sombrias do rio eram imaginários, mas os monstros que andam com a cabeça chapada de drogas e arma na cinta são reais e fatais. Lastimo não ter subido o rio, porem não tenho a mínima intenção de subir a avenida.

danilos
Enviado por danilos em 07/04/2013
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