Pesquisa: um breve relato (1969-1972)
Era a década de 70, do século XX, e os alunos daquela “vetusta” (detesto esta palavra, pois me parece uma velhusca horrorosa) faculdade de Letras de um pequenino estado brasileiro encontravam-se eufóricos com o final do curso e a ideia do diploma rodopiando no cérebro dia e noite, noite e dia. Nada de facilidades, professores catedráticos, solenes, faustosos e fastidiosos. Também não havia facilidade em conseguir livros, pois, além da inscrição para ter direito à carteirinha, tinham também que obedecer à ordem natural da fila de empréstimos bibliotecários. A toda hora os alunos perguntando se o livro X já havia sido devolvido. X, Y ou Z, estavam todos sempre em outras mãos que renovavam o tal do empréstimo. O tempo, que não tem compromisso com essas miudezas, voava puxando o vento. Os formandos corriam no sentido contrário em busca de elaborar a pesquisa, condição sine qua non para receber o título. Naquela época equivalia ao TCC que atualmente quebra a cabeça de tantos acadêmicos. Continuando com esta narrativa, tenho a dizer que era, então, chegada a hora de apresentar uma portentosa pesquisa sobre algum tema de reconhecida importância para a área de conhecimentos. Foi uma espécie de festa escolher o tema para aqueles jovens felizes cuja única obrigação era estudar e fazer bonito para a família se orgulhar, claro! No auge da irreverência juvenil, pensavam coisas de todo tipo, a exemplo de descobrir que coisa havia nos miolos de Machado de Assis que o fazia ser tão bom escrevendo. Enfim, cada um escolheu um motivo para a investigação entre os velhos livros da impoluta faculdade. Viu? Outra palavrinha enervante. A nota mínima a ser obtida era 7,0. Fora disto, reprovado e recomeçar do zero. Ah, essa não! Um baile que prometia se tornar inesquecível estava sendo organizado para acontecer no Iate Clube. A promessa foi cumprida, eu ainda sinto os passos de meu pai me conduzindo na valsa. Fora isto, as outras partes da festividade, missa, culto, colação de grau, tudo como mandava o figurino. E com anel de formatura bem bonito. Em um momento de quebradeira, vendi o anel. Mas, retornando à pesquisa e ao que pretendo ser o motivo principal desta crônica, faço o relato de algo muito interessante que ocorreu durante as idas e vindas do estudo. Um colega, o mais engraçado de todos, tirou 10,0 no trabalho apresentado. Dez! Mas como isto pode ser? Logo este rapaz tão simples, até mesmo humilde? Queixavam-se os outros, burgueses e potentados, donos de muitos compêndios de suma importância. Isto é algo inacreditável! Chega a ser um desaforo! Pois é, mas o pior foi quando esse exemplar aluno que tirou nota dez, contou a seguinte bravata: não conseguindo os livros dos quais precisava para a elaboração da dissertação, que fez ele? Resolveu fácil fácil. Foi escrevendo e escrevendo tudo o que lhe vinha na cabeça. Entretanto, enquanto escrevia se recordava da recomendação dos professores orientadores: fundamente sempre seu pensamento em autores renomados. OK! Ele não parava de escrever, a inspiração era tanta que quase não o deixava dormir. Foi assim que, durante a elaboração do texto, vez por outra, colocava o próprio pensamento escrito em língua inglesa e acrescentava aspas, em seguida nomeando os autores. Como esses autores jamais, de fato, existiram, ele compunha nomes próprios a partir de nomes de astros famosos de Hollywood. Assim, um deles era o Humprey Queen; outro era o Alain Stewart. E por aí foi enfiando supostos teóricos por todo o texto. Como também sabia o idioma alemão, incluiu supostas citações na língua e na boca desse povo. Tinha um autor que batizou de Heil Heinrich. Achando ainda pouca coisa, inventou as estudiosas que abrilhantariam a ala feminina. Acreditar nesta história é problema seu, o meu é o de escrevê-la e acho que termino aqui, ponto final.