Resolvendo conflitos por meio da atenção
A capacidade de concentração é fundamental para exercermos as mais variadas atividades na nossa vida. Seja estudar, trabalhar, ouvir, conversar com outras pessoas, nos divertir e até mesmo dormir com qualidade, todos dependem em grande parte da nossa capacidade de termos atenção no que estamos fazendo. Nossa realidade diária é a oscilação entre dois grandes extremos, ou somos completamente agitados emocionalmente e mentalmente ou estamos entorpecidos, cansados e desatentos. O bombardeio de informações que recebemos, as milhares de expectativas que temos, ou medos, insegurança, em suma, a insatisfação constante em que vivemos em grande parte surge da nossa incapacidade de estarmos atentos e concentrados.
A cultura atual superdiagnostica os transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), os médicos superprescrevem a Ritalina, as pessoas superusam esse tipo de medicação, na tentativa de encontrar uma solução simples e que não exige esforço de mudança. Quem ganha são os laboratórios! Se as pessoas aprendessem técnicas de meditação certamente economizaríamos muito com dinheiro, efeitos colaterais de drogas e, por fim, seríamos pessoas mais felizes.
A atenção
A realidade em que vivemos, o universo que habitamos, as pessoas que encontramos na nossa vida, os acontecimentos gerados ao longo do tempo são enormemente dependentes do grau de Atenção/ Concentração que temos. Somente aquilo que prestamos atenção nos parece real, e de outro lado, aquilo que ignoramos perde a importância. A realidade que se apresenta para nós não é tanto aquilo que existe, mas sim os aspectos do mundo que mais centramos nossa atenção. Um materialista presta atenção apenas no aspecto físico de objetos e eventos, um poeta está centrado nos sentimentos, na sonoridade e na métrica, uma mãe em grande parte no filho e um workaholic em conquistar poder, influência e notoriedade. Vivemos um circo, um teatro, por assim dizer, muito impermanente, está sempre mudando e sofremos quando as coisas mudam!
Em relação ao corpo, uma mente emocionalmente perturbada, escrava de emoções e conceitos rígidos gera uma enormidade de sintomas e sinais no corpo físico. A raiva pode gerar enxaqueca, dores abdominais, digestão falha, olhos vermelhos. A tristeza pode esvaziar o Qi torácico e deixar a pessoa suscetível a gripes e resfriados, a falta de ar. A preocupação aperta do peito, insônia, fraqueza geral, e por aí poderíamos escrever um livro. De qualquer maneira, qualquer processo emocional descontrolado, sendo muito intenso e duradouro, gera um calor no sangue, sabendo que o sangue circula em todo o corpo esse calor gerará muitos sintomas variados. Literalmente a pessoa fica com o coração e cabeça quentes! Como fazer para dominar esse calor? Como fazer para não sofrermos com nossas emoções descontroladas?
Os impactos
O grau de atenção também tem impacto sobre o caráter e comportamento ético. Uma mente divagante e desfocada é facilmente levada ao julgamento, crítica, fica ao léu de seus hábitos negativos, como raiva, orgulho e apegos. Já uma mente focada e concentrada é capaz de ser solo fértil para o surgimento dos mais profundos insights e associações originais. Pensemos nos grandes músicos, filósofos, matemáticos e cientistas. Certamente estavam concentrados nos seus momentos de lucidez e criação de ideias.
Por meio do treinamento da Concentração/ Atenção focada, podemos transformar uma série de maus hábitos, comportamentos adquiridos, emoções perturbadoras, visões distorcidas. Podemos usá-la para a construção de pontes sinceras e honestas com relação aos outros seres humanos e, assim, inclusive obter insights profundos sobre a natureza da mente e da realidade, alterando radicalmente nossa relação com todo Universo.
A Técnica de fortalecer a Atenção/ Concentração
Na tradição budista a disciplina de focar e concentrar se chama Shamata e culmina com a capacidade de sustentar a atenção por muitas horas sem interrupção. Ela não requer filiação religiosa, concepção religiosa ou ideológica, basta querer praticar. Ela é a chave para o equilíbrio mental, cujos benefícios estão constantemente acessíveis para qualquer pessoa que persevera na prática.
Sentamos em postura ereta, com pernas dobradas (aqueles que não podem se sentar no chão podem fazer a prática sentados em cadeiras), ombros e braços relaxados, com mãos repousando sobre os joelhos, queixo levemente encaixado, língua tocando atrás dos dentes superiores, olhos abertos e repousando num ponto abaixo da linha do horizonte, de preferência não movimentamos ou piscamos e mantemos a respiração suave e um pouco mais profunda que a respiração do dia-a-dia. Esse é o treinamento do corpo. Em relação à fala, ficamos em silêncio ao longo da sessão de prática. Com relação à mente, mantemos o foco mental específico, podendo ser sobre um objeto a sua frente ou na sua própria respiração.
É sempre importante antes de iniciar a sessão que geremos uma motivação altruísta com a prática, de estarmos gerando benefícios para nós e para todos os demais seres, conhecidos nossos ou não, isso deixará a prática muito mais potente. No final da sessão dedique toda a raiz de virtude que criou com seu esforço para benefício seu e de todos os seres. Isto também terá impacto importante na sua prática.
Além disso, os resultados são mais rápidos quando fazemos pequenas sessões várias vezes ao dia do que apenas uma sessão por dia muito longa. Sessões curtas ao longo do dia cortam várias vezes nossas distrações e evoluímos mais rápido. Uma sessão muito longa para principiantes facilita que a pessoa perca a clareza e caia num torpor mental e inclusive durma durante a prática.
Olhos Abertos!
É importante que enfatizemos a papel dos olhos abertos! Ninguém quer criar uma realidade paralela meditando. Isto seria uma espécie de escapismo. É fundamental, se queremos aprender a dominar nossa mente e emoções, que meditemos de olhos abertos, olhando a realidade, sem apego ou aversão. Abrir os olhos na meditação é uma conduta destemida, mostra que estamos fortemente inclinados a enxergar a essência da nossa mente e dos fenômenos que nos envolvem, além disso nos ajuda a manter o frescor e a combater o sono durante a prática.
No início é normal que encontremos grandes dificuldades, pois a mente comum está habituada a divagar. Então, se exigirá uma disciplina para perseverarmos. Poderemos sentir dores no corpo e ainda ficarmos angustiados por pararmos de falar. Na realidade, quando sentamos dessa maneira vemos o tanto de sofrimento que carregamos, agitação e preocupações. Ao longo do tempo nossa mente ficará mais calma e muito mais concentrada. É como um copo de água barrenta que ao parar de ser agitada decanta as impurezas no fundo e a água volta ser cristalina, permitindo que enxerguemos com mais clareza.