NOITE DE MEDO EM PARIS
Foi de repente, inesperado, assustador até, e nos surpreendeu porque não esperávamos aquilo acontecer em Paris principalmente em pleno período invernoso e de temperatura gelada. A luz da sala apagou juntamente com o computador que eu estava usando e o notebook nas mãos de Ana. Ficamos em silêncio, desprovido de ação, olhando um para o outro sem saber o que fazer, qual atitude a ser tomada. Lá fora, vimos pela janela de vidro duplo hermeticamente fechada do terceiro andar do apartamento onde nos hospedamos, a rua continuava iluminada pelos postes enfileirados, então, concluímos, a falta de energia acontecera somente no prédio ou, pior ainda, apenas no apartamento. Meu coração disparou quando lembrei da calefação, sobre a possibilidade de passarmos a noite sob um frio alarmante de menos dez graus. Um calafrio cortou-me a espinha.
Levantamos os dois ao mesmo tempo num ímpeto, inquietos, preocupados, mas de igual modo e por milésimos de segundo alimentamos um fio de esperança ao vermos, após o temeroso instante de angústia ocasionado pelas muitas possibilidades tristes de ficar sem energia em pleno inverno de Paris, uma réstia de luz na cozinha. Era realmente um ótimo sinal, embora ainda não soubéssemos em que situação estávamos nos metendo. Fomos até lá cheios de ansiedade, quase correndo. Notamos o display do cooktop mostrando a luzinha do relógio acesa, graças a Deus! Portanto, havia eletricidade no apartamento, se bem que não nele por inteiro, era óbvio. Por que, então, os computadores e as lâmpadas da sala, dos quartos e do toilette foram desligadas subitamente? Algo acontecera, sem dúvida. Um curto circuito? Torci para não ser, eu não saberia como resolver tal situação. Mexi no interruptor existente acima da pia de lavar louça e a pequena lâmpada de lá acendeu, dando-nos mais alívio. Exultei. Pelo menos a eletricidade da área da cozinha não desaparecera. Mas o que havia acontecido com os demais cômodos do apartamento? Apressei-me por ver se a calefação tinha sido afetada, e, não, funcionava sem interrupção. Graças a Deus, pelo menos de frio não sofreríamos.
"Precisamos pedir ajuda a alguém!", eu disse pensando nos vizinhos ao lado cujas feições nós nunca vimos durante o mês inteiro em que ficamos em Paris. Destranquei a pesada porta e saí para o exíguo corredor, dirigindo-me ao apartamento do vizinho, que nós não conhecíamos e de quem também não éramos conhecidos E o pior, eu só falava português e inglês, se ele, ou ela fosse desses franceses tradicionalistas que não querem conversar em outro idioma além do deles, seria o caos. As portas desses apartamentos tinham, pelo menos, uns vinte centímetros de espessura de puro aço, todas usavam códigos digitais para travar e destravar, assim, caso eu batesse com os nós dos dedos certamente não seria ouvido por quem estivesse lá dentro. Ainda assim, levado pela necessidade, bati, toquei a campainha e gritei. Depois de dez minutos sem receber resposta dos vizinhos, desisti.
Decepcionado, acabrunhado, voltei. Minha esposa, enquanto eu me esgoelava clamando pela ajuda dos vizinhos, investigava os recantos do apartamento levando na mão o celular ligado para iluminar cada espaço ou recôndito examinado. Não sei o que ela procurava, mas ela não ficara parada esperando a solução cair do céu. Sentei-me no sofá com o olhar no escuro. "Gil, venha aqui!", ouvi-a chamar-me lá do quarto. Fui e encontrei-a sobre uma cadeira examinando a parte dos fundos do guarda-roupa. "Veja isso!", disse ela. Subi na cadeira e vi um quadro de eletricidade escondido por trás das roupas e apetrechos para fazer escova no cabelo. Olhando um por um dos interruptores, verificamos que somente um deles se encontrava abaixado, e tudo escrito em francês. Portanto, incompreensível para nós. Aquilo, contudo, poderia ser o indício da saída, mas que seria a palavra francesa sob ele?
Ana lembrou, sorrindo, do dicionário francês-português sobre a escrivaninha da sala de estar e pediu-me para ir buscar. Fazia-se necessário traduzir a palavra sob o interruptor antes de mexer nele de maneira precipitada. Apanhei-o da escrivaninha e entreguei-o a ela, que o folheou atentamente até encontrar o termo procurado. "É isso!", balbuciou, entregando-me o dicionário e voltando a parca luz do celular para o quadro. Num gesto rápido e preciso colocou o interruptor para cima e, para nossa alegria, o apartamento iluminou-se novamente. Descemos da cadeira entusiasmados, fomos para a sala de estar, liguei o estabilizador dos computadores e nossa noite voltou à normalidade. Ufa, que sufoco!