SUPER-HERÓIS MORREM

Pensava igual a Tavito quando assistia ao Homem-aranha, Capitão-américa e tantos outros heróis em ação. Ao enfrentarem situações difíceis, falo de perigo mesmo, geralmente dava um frio na barriga, porque temia a morte de quem me era o modelo do imortal, de quem me fazia feliz ao salvar os "fracos e oprimidos".

Tavito vibrava com cada ação de seu herói e quando aquela história acabava, ele berrava pela mãe: "coloca outro filme, por favor, quero ver o Homem-aranha em mais uma batalha vitoriosa", a mãe com toda paciência colocava, sabia que Tavito precisava aproveitar o máximo, a parte linda da vida, a façanha do não morrer, porque quando ele desse por si, teria perdido heróis humanos que não sabia que podiam findar-se, pois estes filmes nos ensinam que quem é bom, de alguma forma se imortaliza.

E eu pensava igualzinho a Tavito, quando assistia aos filmes de meus heróis prediletos e quando procurava por meu pai e o encontrava, fosse nos nossos doces sábados, nos domingos de verão, ou mesmo em seu trabalho na fábrica, quando uma vez fui ao posto médico e coincidiu com sua hora de almoço e ele me levou para almoçarmos juntos. Então quinzenalmente me dava esse prazer, meu herói com a farda da fábrica, farda de herói.

Tavito costumava se vestir de herói e brincar com o pai dele. Certa vez quis ver o pai vestido de Super-homem e ele, claro, de Homem-aranha, tinha uma missão impossível para ambos resolverem, sempre dava certo, seu pai alimentava tão saudável fantasia.

Passaram-se os anos, meu herói largou aquela farda e se refugiou no interior, pensei: nada mas justo, os heróis merecem férias, nos víamos cada vez mais espaçosamente, mas quando ia visitá-lo, andávamos aquela cidade linda inteira, como a procurar uma aventura para nos distrair, meus olhos brilhavam mas não tinha noção que o tempo só corre para trás para sentimos saudades, meu herói foi envelhecendo e o Homem-aranha recriado, fazia-me achar que ele, o meu herói, não morreria.

Tavito ia crescendo cheio de amor e admiração pelo seu herói-pai, agora não chamava mais a mãe para colocar filmes, ele mesmo tinha um monte e assistia quando não estava no colégio. Seu pai viajava muito e esse hobby diminuía a saudade que sentia de seu velho.

Lá da cidadezinha, meu velho sempre me ligava, inclusive, uma semana antes de sua última façanha aqui na terra, nos falamos longamente e ambos eram só elogios, agradecimentos, cumplicidade...

Uma semana depois, ele me telefonou sem sucesso, minha mãe me convidou para ir ao interior, pois ele estava meio doente, não fui, finalzinho da tarde, precisava, soube, ir urgente à nossa cidade natal, pois ele estava internado e talvez fosse transferido para a capital. Segui de carro com meu irmão e cunhado, minha ficha não tinha caído, chegamos, ninguém em nossa casa, e um vizinho falando em "corpo", "corpo de seu pai", a ficha perfurou minha alma, fui encontrar meu herói estirado num mármore frio, com sua fantasia de ultimamente (férias) camiseta e bermuda... Por quê? Só era o que me vinha à cabeça; senti raiva do Homem-aranha, do Capitão-américa e de outros heróis que não morriam, eram reformados... Se o Homem-aranha não morre, é recriado, aprendi a recriar meu pai heroicamente ao lembrar tempos de tão fantasiosos faz-de-conta.

Era meia-noite e o vôo do pai de Tavito já devia ter chegado no aeroporto avisaram que o boing onde ele se encontrava entrou em pane e devido a uma tempestade violenta, o avião chocou com uma montanha..., nenhum sobrevivente. Tavito, meu amigo do cotidiano e das lutas da vida, conhece seu primeiro significativo luto. Nos encontramos no enterro de seu pai, ambos muito emocionados, nos abraçamos e nos consolamos, porque aprendemos a recriar nossos heróis ao nosso bel amor.