BOM DIA, ALICE

Pressa, pressa. Eu tenho muita pressa, dizia o coelho para Alice. Estou atrasado! Mas você me diz que ainda não sentiu o tempo ruir debaixo dos seus pés abrindo um buraco do tamanho de uma galeria de metrô. Não? Devo dizer que fico feliz em te conhecer, por ter chegado há tempo de ver-me em ti e assistir ao remake do filme.

Ninguém me obrigou a ser claro, mas devo explicar essa provocação para não correr o risco de dizerem que não sei escrever uma crônica nos moldes em que se ‘deve’ escrever uma crônica.

É que eu já estive inteiro, como você agora. Já me senti Apolo capaz de atingir o sol, se menos, chegar até perto dele. Houve mesmo um tempo antes do tempo ruir em que tudo era sonho e eu dormia. E você sabe que dormir é melhor que saber que se sonha, não sabe?

De qualquer modo, acordar dentro da vida é como perder uma camada de pele, sei lá, é tão difícil comparar algo que não tem nome. Mas você acorda todos os dias e percebe que o dia amanheceu, se lembra dos últimos pensamentos sentidos e então, lá dentro de você onde o dia nunca amanhece, uma luz tenta dizer o que estou tentando. Tenho certeza que é com muito esforço, com a ajuda de toda sorte e todo seu entendimento, que você segura a iluminação desse instante por mais um tempo e só depois de uma breve eternidade sai de dentro de si.

Mas agora há pressa, se apresse.

O que responder ao coelho branco de Lewis Carroll que não pensa e está na fábula só para nos alertar, para nos confundir esclarecendo? Ah! Maldito coelho socrático. O que eu poderia dizer agora? Vá lá fora e espreita a vida nos seus termos. Os passos, as rodas e os motores nas ruas que se interligam, atravessam, conectam sem fim todas as artérias artificiais aos cortes cicatrizados. Vá lá. Vai em frente sem os fones de ouvido, sem wi-fi, sem combinar retorno, o almoço ao o jantar.

Saia de si e olhe se é o mesmo sol ontem que está no céu, se é o mesmo céu de anteontem. Se a luz que do céu deságua banha o verde na terra e as meninas que bailam no escuro de suas retinas iluminadas por esse instante.

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 03/04/2013
Reeditado em 19/07/2018
Código do texto: T4221429
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