A vida aos pedaços/3
Foi na época em que eu via Marina todos os dias, menos final de semana. Pois foi justamente numa segunda-feira, depois de dois dias sem a ver, que Marina apareceu na minha frente, tão bonita e cheia de vida como sempre foi. Ela me viu e sorriu. Imediatamente sorri também – impossível não sorrir. Trocamos os tradicionais beijos no rosto e em seguida ela me deu um abraço, um abraço tão apertado como há muito eu não recebia. E fez isso com a maior naturalidade, como se ninguém estivesse vendo, como se nos amássemos de paixão, como se tivéssemos pensado um no outro o fim de semana inteiro. E, no entanto, nada disso era verdade. Apenas aconteceu que ela me viu e ficou feliz. Uma colega nossa estava chegando bem naquela hora e viu a cena. Estranhou aquele abraço tão forte. Veio então até mim e, um tanto constrangida, perguntou:
- Mas então... hoje é seu aniversário?
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Gosto tanto de ouvir que me tornei um colecionador de frases ouvidas na rua. Essas que a gente escuta de repente enquanto caminha, e geralmente não entende muito bem qual é a história por trás delas. Abaixo, seguem algumas frases que ouvi e que me deixaram bastante curioso para saber em que contexto foram ditas.
- E o nome do jogo era “Come-come”.
- Você está falando um monte de números!
- Não sei o que fazer dessa caneca que ela quer...
- Mas a pessoa castigada tem que sair pra rua?
- Aí eu disse: “Você quer uma laranja ou você está me oferecendo uma laranja?”
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Imaginem vocês que existe no prédio em que trabalho uma moça muito, mas muito bonita mesmo – e imaginem também que digo isso sem malícia. De vez em quando cruzo o caminho dela e preciso disfarçar o meu embasbacamento. Mas nunca conversamos. Até que um dia Deus me deu a oportunidade de pegar o elevador sozinho com ela. Mais ninguém, só eu e a moça bonita. Não sou nenhum galanteador, e por isso fingi que não estava acontecendo nada demais. Eu nem mesmo a olhava. Pois de repente foi a moça bonita quem fixou seu olhar em mim. E também foi ela quem puxou conversa:
- Tem alguma coisa no seu queixo... pasta de dente, parece...
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Era tão ciumento, mas tão ciumento, que não permitiu que a mulher fizesse declaração ao imposto de renda.
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Brasília não está preparada para sediar eventos como a chuva.
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Tenho um número de celular extremamente fácil. Isso faz com que ele seja um dos favoritos para receber trotes e também um dos mais lembrados na hora em que alguém quer dar um número qualquer que não o seu. Foi o que fez uma moça chamada Geani: deu o meu número para uma loja de roupas. Só que a loja está atrás da Geani, porque parece que ela não andou pagando suas contas. No intervalo de alguns dias, recebi as seguintes mensagens, na ordem: 1) Geani, favor dirigir-se a loja mais próxima para tratar de assunto do seu interesse. 2) Geani, o pagamento de seu cartão não foi localizado. Dirija-se a uma de nossas lojas para regularização. 3) Geani, pague sua fatura do cartão e evite o registro do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito, SPC e Serasa.
Minha doce Geani, pague logo essa conta, porque tenho medo de que na mensagem de número 4 eles usem palavras de baixo calão.