Um dia de Fúria
Num mundo paralelo qualquer, onde humanos e rios poderiam se comunicar, um delegado chega para interrogar o suspeito de um crime.
Manhã de Segunda, o dia está nublado. O delegado e seus agentes saem para mais um dia de trabalho. Trata-se de uma investigação. No dia anterior um forte temporal abateu-se sobre a cidade causando enormes transtornos e algumas mortes. Num dos casos dois homens foram arrastados pela forte correnteza de um rio, os corpos foram encontrados e já estão em poder de suas famílias.
O rio já corre calmo, mas a quantidade de galhos, lixo e entulho demonstram que algo fora do comum aconteceu por ali.
O delegado caminha em direção as margens.
- De novo não, diz o rio.
Delegado – Bom dia, gostaria de fazer algumas perguntas
Rio – Tudo bem, estou disposto a colaborar.
Então a sessão de perguntas se inicia.
Delegado – O que aconteceu com aqueles pobres moços que estavam passando por sobre a ponte, voltando para casa?
Rio – Foi tudo muito rápido, eu não tive culpa
Delegado – Não estamos dizendo que você é o culpado, porém possuímos indícios realmente fortes, qual seu argumento?
Rio – Não tirei a vida das duas pessoas, não sou culpado pelo ato que cometi. Eu não consigo me conter, foi mais forte do que eu.
Nesse momento uma forte emoção corre pelo Rio, ele não sabe se será capaz de continuar descrevendo os fatos.
Delegado – Não temos pressa, assim que você estiver mais calmo voltamos com as perguntas.
Depois de uma longa pausa novamente se inicia a conversa.
Rio – Tudo bem, já estou mais calmo, é que não consigo lembrar da cena sem me emocionar
Delegado – Prossiga.
Rio – Bem, o fato é que todos sabem que naquele dia, subitamente, fui tomado por uma força tremenda. Há alguns anos eu conseguia controlar minha força, mas de uns tempos pra cá, não tem jeito, eu saio mesmo.
Delegado – Mas o que você quer dizer com sair?
Rio – Quando eu digo sair, é porque eu não sou mais fundo o bastante para comportar todo o volume de água que vem pra mim durante uma chuva forte.Retiraram as árvores das minhas margens e vocês humanos adoram cimentar e asfaltar tudo. Vocês dizem que é o progresso, que tudo fica mais limpo, só que a cada chuva, vem mais e mais água, fora o lixo e o entulho que me entopem. Veja só, não sei nem mais onde fica meu leito, qualquer chuvinha já me faz ficar mais rebelde.
Delegado – Você acha que existe solução para seu caso?
Rio – Solução existe, resta saber se existe interesse de vocês. O problema é que vocês acham que canalizar é a solução.
Rio – Alguns companheiros meus foram canalizados, mas com o tempo o volume de água só aumentando, a solução de curto prazo falha e às vezes fica até pior. A falta de uma política de educação ambiental mais forte, a fiscalização ineficiente para evitar a ocupação das minhas margens, a destruição das matas ciliares, a impermeabilização descontrolada do espaço ao meu redor, além do descarte indiscriminado de entulho dentro do meu leito levam a um grande problema, se invertemos esse quadro as coisas
podem melhorar.
Delegado – Analisando os fatos vejo que sua argumentação é coerente, vamos fazer uma investigação mais profunda para levantar tudo, conversaremos com especialistas sobre o assunto para não deixarmos dúvidas.
Rio – Vocês matam vocês mesmos quando nos tratam com tamanho descaso.
Rio – Mas ok, caso precisar de mais informações estarei sempre disposto a colaborar.
Delegado – Muito obrigado.
Rio – Por nada
Você pode até enfrentar a natureza, mas vencê-la, jamais. Criamos armadilhas contra nós mesmos e nem sempre nos damos conta, ou quando percebemos, já é tarde demais. Virar estatistica? Só se for para o bem.
Autoria: Ernestus com U & Helena com H - Mundos Paralelos