Ditadura Militar uma ferida que não Sara
1º de Abril de 1964, alguns tendenciosos vestindo fardas dizem que é mito, mas a realidade foi crua. Estava iniciando nessa data uma das maiores tragédias impostas ao povo brasileiro. A ditadura militar! Que durante 21 anos sob a batuta de carrascos sanguinários, assassinos torturadores de nomes: Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo que felizmente hoje, habitam o submundo dos infernos e são vigiados diuturnamente pelo cão Cerberus. O regime militar marcou profundamente a nação, foram duas décadas de medo onde o simples ato de sorrir poderia ser considerado afronta aos bons costumes. Um paralelo rápido entre os dois tempos mostra que os pais de hoje temem o envolvimento dos filhos com drogas, na época temiam que os filhos falassem poesias, cantassem nas praças com um violão na mão, ou vestissem uma camisa vermelha. Isto por que gestos assim eram considerados subversão e subversão era falta grave e falta grave se cobrava na porrada! No porrete e no fuzil! Quando queriam se divertir um pouco mais, os torturadores fardados usavam a “cadeira do diabo” ali davam choques violentos nas partes intimas das vitimas, homens ou mulheres tinham o mesmo trato já que os usurpadores do poder, possuíam corações de pedras e seus olhos eram estrábicos para enxergarem as feições de dores, também eram surdos para ouvirem gritos de clemência. O autoritarismo e a supressão de direitos constituídos chegaram a pontos extremos em que não sobraram alternativas senão resistir. Todavia, quanto mais resistência o povo criava, mais cruéis iam ficando os meios de tortura. Neste ano, dentro do Mostra de Cinema de Tiradentes, conheci a diretora de arte Márcia Saluah de 72 anos que entre um papo e outro sobre Curtas que falam da temática, recordou suas dolorosas experiências com a ditadura de Médici em 1971. Morava em Brasília e era casada com o Artista Plástico Paco Salesino, de 29 anos. Socialistas convictos, porém moderados pela situação. Usavam a casa e atelier para reuniões políticas com o titulo de “Oração das sextas” Conduzidas pelo Padre Arnold Fabriciano da Luz (Comunidade dos Agostinhos) morto em assalto na Praça da Estação em Belo Horizonte no ano de 1973, latrocínio pouco comentado pela policia e com muitas falhas na investigação, já que o padre não usava carteiras e carregava apenas uma bíblia com a identidade na bolsa. No relatório diziam que o assaltante atirou mediante reação. As reuniões foram fluindo e dentro de quatro meses viam pessoas de outras cidades para participar e planejar organizações pacificas, pois a palavra de ordem era a conversa e orientação sem armas na mão. No mês de Dezembro de 1971 Paco fora convidado para uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo e segundo Márcia nesta época com muitas coisas para se preparar ao mesmo tempo, falharam na segurança e uma pessoa que se identificou como parte da Curadoria do Museu chegou para uma visita aos quadros que seriam expostos, por infeliz coincidencia numa sexta-feira dentro do horário das reuniões. Estranharam o comportamento do curador quando ele deixou o local do atelier e invadiu a outra sala dizendo ter confundido com o banheiro. Assustados alguns membros tentaram esconder panfletos sobre um encontro que estava marcado para o próximo sábado, mas foi em vão e ao ler o que estava escrito, o falso curador se identificou como DOPS e deu voz de prisão. Houve resistência verbal, mas pacifica. “Porém o policial era violento como o regime e atirou no peito do meu marido” as palavras de Márcia trepidaram e os decibéis diminuíram até que lágrimas brotaram dentro dos olhos, mas não caíram. Seus olhos verdes de pálpebras cansadas iluminaram de maneira única aquela face de rugas bonitas que dizem tanto, ou melhor, que confirma o que os lábios que apertam os cigarros brancos confessam. Aterrorizados e sem terem o que fazer, todos ali ainda cumpriram o pacto de pacifismo e nada fizeram até chegarem uma Kombi de cor branca e uma Veraneio cheirando a óleo diesel e levarem todos para interrogatório. Seu marido ela viu pela ultima vez deitado naquele chão onde se sentaram juntos há poucos dias para pensar o futuro, de boca e olhos abertos e uma lagoa de sangue lhe servindo de amparo para o peito que tanto amava. Márcia foi torturada e estuprada por homens e cabos de cacetetes, ficando seis meses em Brasília e outros cinco em São Paulo. Em 1972 saiu da prisão em estado depressivo psicologicamente sendo internada por parentes na antiga Clinica Basaglia no Rio de Janeiro. Casou-se novamente aos 38 anos e tem dois filhos. Márcia diz que todas as vezes que abre uma revista e defronta com a foto do General Médici precisa tomar ansiolitico, mesmo depois de tantos anos.