O Semáforo

“Mas que droga!”, ele disse, “mas que porcaria”. Andava a passos largos por entre a multidão do meio-dia, atropelando quem estivesse pela frente. A mão direita cerrada, do lado do corpo, segurava firme a maleta de couro, enquanto aquele sol escaldante pairava no céu, imóvel. Diversas pessoas corriam pelas ruas naquele dia - horário de almoço. Elas nem sequer se olhavam nos olhos, como se não existissem, ou como se não fossem do mesmo mundo. Cada um corria por si só, trancados em sua própria existência.

Faltavam cinco minutos para o término do horário de almoço, ele ainda estava a seis ou sete quadras do trabalho. Levaria sermão do chefe, é claro.

- Mas que diabos…Será possível que no exato momento em que vou atravessar a rua, o semáforo tem de fechar?

“Ele abre de três em três minutos, senhor”, uma voz disse. Ele nem sequer olhou em volta. Pouco interessava quem tinha dito isso. Ele tinha de atravessar a rua. Tinha de chegar no trabalho a tempo. Esperou mais um pouco, impaciente, com o rosto vermelho de tanta pressa.

- Mas já se foram dois minutos e esse bendito semáforo não abre?!

“Eu disse que ele abre de três em três minutos, senhor”. Dessa vez o sangue lhe subiu. Mais essa? Não bastava sua pressa, agora havia também um intrometido que lhe dizia coisas que ele nem mesmo tinha perguntado? Olhou em volta, procurando de onde vinha a voz. Baixou os olhos um pouco e viu um homem velho, sentado na calçada, vestido de maneira humilde.

- Escuta - ele disse - você por um acaso me ouviu perguntar de quanto em quanto tempo o semáforo abre?

- Não, senhor. Eu só quis ser gentil.

- Mas quer saber? Não foi. E sabe do que mais? Eu nem imagino como você sabe de quanto em quanto tempo essa porcaria de sinal abre. Aliás, eu sei sim. Você é um desocupado. Não me admira que você tenha tempo de sobra pra contar o tempo do semáforo. Sabe por que eu não sei?

- Porque você nunca parou pra contar, senhor.

- Exatamente. Eu nunca parei pra contar. E sabe por quê? Porque eu sou um cara ocupado. Um pai de família. Eu não tenho tempo a perder.

- Mas está perdendo.

- Ah, estou? Só me faltava essa…

- O sinal abriu já faz dois minutos e meio, senhor. Ele vai fechar daqui 30 segundos. É melhor o senhor se apressar.

O homem entrou realmente em pânico. Agarrou a maleta de couro contra o peito e se atirou contra a multidão, que se emaranhava, toda apertada. Ele empurrava os que estavam a sua frente com os punhos, porém de nada adiantou. O semáforo fechou novamente.

- Está vendo o que você fez? Viu só?

- Vi sim, senhor. É uma pena.

- É uma pena? Você acaba de me garantir uma bela bronca do meu chefe, que não é uma pessoa nada agradável, e você acha uma “pena”?! Sabe por que eu perdi o tempo do sinal?

- Porque o senhor não parou pra contar, senhor.

- Porque você me distraiu com essa conversa imbecil. Quer saber? Que vá tudo pro inferno. Eu vou me dar um dia de sossego.

A suar dentro do terno, ele se sentou ao lado do homem que ali estava, na calçada. Tirou o lenço do bolso e passou por todo o rosto, respirando ofegante. O sol continuava bastante forte.

- Por que o senhor não vai pra casa?

- Ir pra casa? O senhor está maluco?! A minha casa é um verdadeiro problema.

- Me desculpe a ousadia de perguntar…Mas por que é um problema?

Pela primeira vez aquela feição carrancuda lhe caiu do rosto, e agora restava apenas o olhar triste de um homem cansado.

- Porque…Bom, eu não tenho um bom relacionamento com minha filha, e minha mulher morreu há dois anos.

O andante refletiu um pouco, passou as mãos pela barba e disse, pensativo:

- O senhor não acha que, por ter perdido a mãe, sua filha tem uma necessidade ainda maior de tua presença?

- Não sei…Acho que não. Ela nunca disse que eu era importante pra ela. Ela sempre diz estar muito bem sozinha, já que eu não tenho tempo pra ela. Eu a amo, mas nunca disse isso.

Olhou pro céu e uma lágrima caiu de seus olhos. Suas lágrimas agora se confundiam com suas gotas de suor, que escorriam por seu rosto.

- Tem muita coisa que eu gostaria de dizer a ela, mas nunca disse.

- E é exatamente por isso que ela nunca vai saber. Você não tem tempo, não é mesmo? Eu é quem sou o desocupado. O senhor é mesmo muito atarefado.

- Mas por que minha filha não sabe que a amo?

- Pelo mesmo motivo que o senhor não conseguiu atravessar a rua.

- Como disse?

- É porque você não parou pra contar, senhor.

Dona Iaiá
Enviado por Dona Iaiá em 31/03/2013
Reeditado em 10/07/2013
Código do texto: T4216096
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