21 Anos de Escuridão
21 Anos de Escuridão
Jorge Linhaça
21 anos foi o tempo para que o povo brasileiro chega-se á maioridade e maturidade suficientes para livrar-se de um regime baseado em patriotismo deturpado e voltado para a sustentabilidade dos que mantinham seus negócios e poder através do troca-troca com os golpistas.
O golpe de estado conduzido pelos militares mas facilitado por instituições como veículos de imprensa e a Igreja católica, deveria ter prazo de validade de poucos anos, mas o poder ad querido tem a infeliz capacidade de fazer com que a paranoia contra os não aliciados crie “teorias da conspiração” que acabam por criar a necessidade de manter-se no poder com a ilusão de serem os salvadores da pátria.
Finalmente a novembrada, em Florianópolis , serviu como um gatilho efetivo para que outros movimentos contra a Ditadura Militar ganhassem força e finalmente acabassem com essa página negra de nossa história.
Os golpistas até hoje alegam que o Golpe foi necessário para impedir que o país fosse tomado por um regime totalitário comunista.
A história no entanto demonstra o quanto isso passa longe da verdade. Se fosse verdade que os comunistas estavam a um passo de transformar o Brasil em um sucursal soviética, teríamos imergido em uma sangrenta guerra civil pois o povo “comunista” teria pego em armas e seu número seria muito maior do que a meia dúzia de movimentos de resistência.
João Goulart foi eleito pelo povo, pelo voto como seu legítimo representante e interlocutor junto a outras nações. O fato do presidente visitar países comunistas, o que causou desconforto junto à direita ligada ao governo americano, serviu como desculpa esfarrapada para o Golpe. Dizer que o povo aprovou ou apoiou a ditadura é uma mentira deslavada. Tirando-se a liga das mulheres católicas, os Clubes Militares e a imprensa sensacionalista, pouco foi o apoio explícito á tal Ditadura Militar.
Chamar o Golpe de “ Contrarrevolução” é outra falácia, não pode haver contrarrevolução sem que haja um revolução e esta nunca ocorreu fora das fronteiras intelectuais, até que o povo fosse amordaçado e vendado pelos atos da ditadura militar.
Querer alegar legítima defesa para a morte e desaparecimento de milhares de pessoas, sequestrados na calada da noite em suas casas ou locais de trabalho ou estudo por paus mandados sem identificação é o mesmo que sair atirando a esmo pelas ruas encapuzado com a desculpa de que está se defendendo à pátria.
A ditadura militar foi tão boa que, tirando-se o ufanismo das músicas encomendadas na época e os álbuns de figurinhas , o que nos restou de herança foi a degradação das florestas para serem transformados em pastos e latifúndios que enriqueceram apenas àqueles que mantinham relações amigáveis com o regime ou com a antiga Arena. Foi a época de ouro da UDR que apossou-se de forma “legal” de grandes extensões de terra, expulsando a ferro e fogo os pequenos proprietários que acreditaram no tal milagre brasileiro e migraram para as áreas mais remotas , na época , do país.
A tão propalada Transamazônica até hoje é um elefante branco pois a regeneração da floresta dificulta a manutenção da rodovia.
Por incrível que pareça, alguns Clubes Militares ainda se dão ao desplante de comemorar o dia 1º de Abril como fosse uma data feliz para o nosso país.
A tal comissão da verdade e a pressão de órgãos internacionais ligados aos direitos humanos tem colocado a caserna em polvorosa e os partícipes dos sequestros, torturas e execuções na época, procuram deturpar a história ao melhor estilo nazista, que incendiou o Politsburgo e atribuiu a culpa aos comunistas, único partido que mantinha alguma condição de oposição ao nacional socialismo, facilitando a escalada totalitarista de Hitler ao poder. Sem a oposição dos comunistas e o medo instaurado sobre os outros partidos, aliados a um marketing eficiente da máquina nazista e da imprensa cooptada ninguém se atrevia a contestar o regime.
Parece familiar? Pois é, o nazismo ensinou bem o descaminho para obtenção do poder através do terror. Não se pode esquecer também o sistema de denúncia premiada que permitia a qualquer cidadão auferir vantagens por denunciar quem quer que fosse , mesmo sem provas. Aqui foi a mesma coisa.
Embora possam alegra que os generais ditadores morreram pobres, não foram poucos os que enriqueceram gozando de seus beneplácitos.
Também não se pode esquecer que reunir presos políticos com presos comuns nos presídios, tornou-se um facilitador para o surgimento de várias facções criminosas do Crime Organizado. Cadeia é cadeia e ninguém passa por ela incólume, sem aprender com os outros. As táticas de guerrilha utilizadas pela resistência à ditadura militar para obter fundos para manter a luta pelos direitos civis foi adaptada pela bandidagem comum para organizar suas facções e enriquecer.
Mais uma herança do Regime Militar.
Eu me pergunto, portanto, o que comemoram esses clubes militares?
Os 21 anos de Idade Média, em pleno século XX?
Os 21 anos de repressão á liberdade de expressão?
Os 21 anos de manipulação nas escolas procurando condicionar gerações a crer que o Brasil era o paraíso na terra enquanto corpos se empilhavam nos calabouços e valas comuns?
Não sei o que eles possam comemorar, no entanto por certo não é nada que possua algum valor democrático ou patriótico. Afinal a Pátria não é restrita à caserna e nem o patriotismo é restrito às forças armadas.
Patriotismo vai muito além disso, é um sentimento de amor ao nosso país que não pode ser imposto por armas ou decretos. Como alguém pode ser patriota e compactuar com a morte e a tortura de cidadãos de seu país apenas por terem ideologias diferentes da sua? Isso vale para qualquer ditadura, de direita ou de esquerda, não importa. Não há desculpa para esse tipo de comportamento.
Nossa democracia é jovem demais, ainda composta de muitos filhotes da ditadura, composta também de sobreviventes da ditadura, natural que haja tensão entre as duas partes. Ainda temos um grande caminho a percorrer até que se dissipem os traumas e as mentiras de lado a lado. Tudo isso passa pelo esclarecimento dos fatos e pelo evitar dos revanchismos. Nenhum país pode ser realmente livre sem que a sua história seja passada a limpo.
Salvador, 30 de março de 2013