Definitivamente Sozinho

Vinha andando pela praia sozinha naquele final de tarde de sábado. O sol estava querendo ir embora, mas parece que resolvia dar uma chance aos retardatários. Eu devia estar caminhando como aquele travesti desolado que, apesar de tudo, imagina que todos o estejam olhando. Quando, na verdade, ninguém o vê.

De repente o avistei. Próximo a um quiosque quase sem ninguém, sentado em um tronco de árvore que servia como banco. Estava sem dúvida sozinho. De onde o via, ainda não dava bem pra saber como ele era. Ao aproximar-me um pouco mais, tive a impressão de que me via, embora fingisse que me olhava. Mas sou mulher. Caminhei como se não o estivesse vendo, embora cada vez mais consciente da sua presença. Era atraente.

Vestia uma camisa amarela com a inscrição Abercrombie. Ihhh, deve ser um desses babacas que comprou essa camiseta num daqueles outlets em New Jersey. Pode ser também um cara que tenha ojeriza aos Estados Unidos, apesar da T-shirt. Afinal, quem vê cara, não vê coração.

De qualquer modo, tinha conseguido me desvencilhar do face. Ver aquelas babaquices todas que todos colocam todos os dias. Inclusive eu, com babaquices iguais ou maiores ainda. Como era bom sair de casa. Estava respirando ar puro, ou menos poluído. Muito melhor do que ficar enterrada naquela internet.

E nisso já estava quase passando por ele. Que permanecia ali com uma cerva ao lado, um pouco mais afastado e num nível mais elevado que o meu. Mas sou mulher. Veio aquela vontade de passar a mão no cabelo – o discreto charme feminino – e continuar andando, como se estivesse alheia a pessoas de ambos os sexos. Quando na verdade não era nada disso. Talvez como o travesti, achando que todo mundo o estivesse percebendo.

Mas abortei a vontade. Seria mais um clichê. Fui um pouco mais adiante e voltei. Não era bom abusar da paciência do sol.

E ao voltar, notei que ele levantou-se do seu banquinho e começou a caminhar em direção à areia. O encontro foi inevitável.

- Olá. Parece que você não quer deixar o sol ir embora.

Achei ridícula a observação. Mas era o que ele podia oferecer. Procurei devolver na mesma moeda.

- Ele é que insiste na minha presença.

- Mora por aqui?

- Numa dessas ruas que chegam na praia, decidi ser um pouquinho arrogante. E você?

- Na 74.

74 é 11 (7+4). E 11 é 2 (1+1). Numerologia barata. Qualquer semelhança será sempre mera coincidência, pensei.

- Veio fazer companhia à cerva?, fiz a pergunta indecente na falta do que dizer.

- Ela é uma companhia quando não se tem com quem encontrar.

- De fato, mas com ela não se pode caminhar, devolvi, para em seguida me arrepender. Essas tolices, que a gente aprende, de que a mulher não deve se oferecer. Além do que, é claro, com a cerveja, principalmente mais de uma, pode-se chegar a lugares que a gente nem pensou.

- Percebi que você gosta de caminhar. E sozinha. Deve ter vindo de longe. Lembrou-me até, me desculpe, um travesti, que vi um dia caminhando meio perdido, mas dando-me a impressão de que estava sendo percebido.

Que porra era essa? O cara era um adivinho? Adivinhava coisas? Seria ele um guru? Um avatar? Até que levava um jeitinho do Sam Worthington. E que negócio era aquele de perceber que eu gostava de caminhar se era a primeira vez que me via? Mas ele era um homem. Daí a postura clássica.

O fato é que ele estava definitivamente sozinho. Pelo menos ali na praia. E continuaria até mais tarde. Porque acabamos marcando encontro num conhecido bar no centro da cidadezinha. Poderia rolar alguma coisa mais definitiva. Afinal, tratava-se de uma pessoa agradável. Um quarto de motel, talvez. Eu estava preparada. E qual a mulher que não está? A questão mais importante é que ele estava, pelo menos na ocasião, definitivamente sozinho!

Maricá, 29/03/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 30/03/2013
Código do texto: T4214694
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