PELAS RUAS DA PAIXÃO DE CRISTO

Ainda há pouco, ao longe, eu acabei de avistá-la vindo pelo meio fio duma avenida bem movimentada, aonde poucos se atreveriam a caminhar. Vinha com certa propriedade assumida.

Sua aparência e seu caminho logo me chamaram a atenção, ele pela causticidade, ela pela sua extrema elegância natural de menina mulher recém desabrochada a trazer sobre sua cabeça um belo chapéu claro de abas largas, estrategicamente posicionado, bem como a equilibrar seus saltos altos que cuidadosamente, e com extrema precisão, se desviavam dos enormes buracos da avenida.

Num dos ombros amparava uma bolsa que me pareceu bem pesada enquanto seu vestido de tecido fino de cor âmbar sob florzinhas coloridas se esvoaçava pelo vento mobilizado pelos carros que voavam ao passarem por ela. Senti profundamente que as flores eram as únicas cores daquele seu destino.

Em "fade" só pude notar que, enquanto eu parava no sinaleiro, ela também parava sob um viaduto populoso, então, notei que lavou o rosto manchado de terra com um bocado de água duma garrafa ali jogada ao chão e depois retocou com delicadeza seus lábios bem pálidos com um "batom de dignidade".

Aos poucos também foi retirando sua moradia da bolsa, casa de bem poucos utensílios, o bem básico para se preparar dentre tantos outros seus semelhantes frente a noite que já descia... rumo ao sábado das aleluias, possível caminho das ressurreições até das esperanças mais perdidas pelo asfalto tão emperdenido.

Quem sabe a aurora das próximas aleluias talvez lhe conduzam por uma avenida de vida mais acolhedora, como num sonho de Páscoa anunciado por um coelho em formato de anjo bom.

Enquanto o semáforo me abria eu ali mesmo lhe escrevia na minha memória a crônica tão repetitiva de mais um árduo cenário das tantas paixões de Cristo sofregamente encenadas no dia-a dia pela minha cidade de São Paulo.

Verídico, em homenagem.