Páscoa? Que é isso?
Quem se lembra do que eu escrevi nessa mesma época no ano passado, vai me achar repetitivo. Ainda bem que pouca gente lê o que eu escrevo, o que diminui minhas chances de ser repreendido. Por outro lado, resolvi ousar um pouco desta vez e trazer à tona algumas informações que são pouco discutidas e creio, propositalmente deixadas de lado.
Então, vamos ao assunto do momento. Então, vamos falar de Páscoa.
Mas, vamos falar de que? De coelhinho, de chocolate, de ovos, de Jesus, ou de memorial de libertação?
Ao logar no facebook nesta manhã, já pude observar as românticas manifestações antecipadas de desejo de paz, prosperidade, luz, energia, brilho, estrelinhas, purpurina, etc. Já vou avisando aos incautos: Isso é lindo, mas fica melhor no Natal. Agora é hora de chocolate, de omelete, coelho ao molho madeira, sei lá....
Mas, voltando ao que interessa: A Páscoa.
Aposto meus dois braços, que se fizermos uma pesquisa nas ruas hoje, perguntando às pessoas apenas o que significa a Páscoa, teremos uma surpresa desagradável. Afirmo isso, porque já fiz a tal pesquisa. Não coloquei uniforme do IBOPE, nem fui abordar os transeuntes na Praça 7, é claro, mas, busquei no meus círculos de relacionamento, incluindo família, amigos, colegas diversos... Foi triste. Ninguém sabe como essa coisa de ovos de coelho começou.
Afora o desconhecimento geral da origem das coisas, que para a sociedade brasileira não é coisa assim tão assustadora, me incomoda um outro tanto, a mistura de informações que descaracteriza completamente a intenção do evento.
Segundo o relato bíblico, ou a tradição judaico-cristã, a Páscoa foi uma data estabelecida como um memorial para o povo que saiu do Egito, guiado por um líder carismático insurgente contra o politeísmo local. Esse líder, Moisés, convertido a um monoteísmo até então desconhecido da maioria de seus seguidores (já que toda aquela geração se formara no Egito e ali assimilara a religião nos moldes egípcios, obviamente), criou, para manter seu rebanho de fugitivos unido, uma série de leis civis e preceitos religiosos muito bem elaborados, capazes de responder suas pequenas demandas filosóficas cotidianas. Num sistema religioso marcado por uma rígida ritualística, as comemorações de momentos como o início do Êxodo, tinham uma importância fundamental na manutenção da união do povo e da consequente persecução do principal objetivo que os guiava, ou seja, a tomada das ricas terras de Canaã e o estabelecimento de uma Nação, que depois se chamaria e até hoje se chama Israel.
Passam os tempos e surge um grande reformador, herdeiro que se confessava, da tradição judaica, mas influenciado por um politeísmo trinitário banhado na filosofia grega. Paulo de Tarso tratou de adaptar ao seu discurso as mais importantes frações míticas do sistema religioso ao qual se opunha, minando-o pela imposição de uma modernização das práticas rituais, até que se estabeleceu o pseudo-monoteísmo paulino, que evoluiu para o decrépito e insustentável sistema que atualmente é chamado cristianismo. Mas muitas comemorações continuaram a ser lembradas por séculos, inclusive a Páscoa, agora com o intuito de perpetuar o mito da ressurreição de Jesus de Nazareth estendida por osmose aos que o aceitem como deus.
Reformas e mais reformas se sobrepuseram. Hoje o mundo e regido mais que nunca, pelas leis do comércio, pelo capitalismo consumista. Não importa mais a manutenção de um mito para manter a estrutura da coletividade, mas, a mera exposição de status, a fim de sustentar o indivíduo, focado em si mesmo contra tudo e contra todos. Você precisa provar que tem o poder de comprar coisas, para ser aceito na sociedade que compra e vende. Então, os responsáveis pela divulgação dos ritos repetem ano após ano a mesma fórmula de sempre, apoiando-se na estrutura decadente do sistema religioso que ainda aproxima o discurso de grande parte das massas consumidoras, usando seus antigos ícones mitológicos, sem deixar de dar um toque de modernidade, sem o qual não seriam eles atrativos.
Eis, portanto, em que se resume o significado da Páscoa, assim como das demais comemorações de datas religiosas nos tempos da pós-modernidade: no mascaramento da mera exposição (ou imposição?) de mercadorias a preços exorbitantes, sob o manto carismático e até mesmo hipnótico do eufêmico discurso religioso, que ultimamente nem se faz mais necessário. Basta que uma data seja coincidente com o que um dia aludiu a um momento importante, que os mais jovens nem se preocupam em saber de que se tratava.
Importa comemorar, abraçar e desejar coisas boas, comprar, manter-se na moda. Ninguém tem tempo pra questionar sobre a relação de coelho com ovos, chocolate, Jesus, libertação, Grécia antiga... Isso cansa.