A GARÇA TRISTE
Há um tempo milhares de garças cruzavam o céu em direção às ilhotas do Itapemirim. Eu era menina e estudava no Liceu. Uma pena não ter aproveitado melhor este tempo para observar sem pressa o bailar das garças sobre o rio, que já naquela época sofria com o desmatamento e a poluição. Lembro-me que nas enchentes elas desapareciam, pois as ilhotas ficavam submersas. Mas, apesar da falta que sentia delas, me deslumbrava com as cheias do Itapemirim e meu sentimento era sempre em favor do rio. Sabia que os ribeirinhos sofriam com as inundações, mas também sabia que o Itapemirim transbordava pela indiferença daqueles que só lembravam da natureza quando esta revidava.
Nesta época não havia políticas sócio-ambientais e, que me lembro, nem disciplinas que ensinassem sobre a preservação do meio ambiente. Hoje as crianças aprendem sobre reciclagem, reflorestamento e consumo consciente, mas ainda falta-lhes ensinar a amar o rio, em cujas águas descansa o ilustre cronista cachoeirense Rubem Braga. Aonde as garças vêm brincar no fim da tarde, os pescadores refrescam seus pensamentos e os poetas recitam seus lamentos.
Em alguns dos seus trechos já é possível caminhar sobre as pedras e conversar com as garças, que tristes, observam o definhar de seu amigo. A vida no Itapemirim não é mais a mesma e elas sabem disso. Algumas ainda resistem e vem lhe visitar a cada cair da tarde. Menos numerosas que antes, vem chegando em pequenos grupos, num espetáculo de beleza e liberdade. A paisagem muda com o repouso das garças. Seja nas pequenas ilhas ou nas margens do rio, elas parecem confidenciar segredos umas com as outras, confabulando sobre o futuro do rio. O peixe, abundante alimento de outrora, torna-se cada vez mais escasso. A vegetação não resiste à poluição. O amigo está em perigo.
O Itapemirim, que em décadas passadas, era navegável e recebia embarcações de outros estados, possuía também grande variedade de peixes, garantindo o sustento de muitas famílias. Suas águas serviram de inspiração para compositores e poetas. Suas correntezas foram cenários de expedições. As pequenas ilhas abrigavam espécies animais e vegetais, que foram desaparecendo com o tempo.
Embelezado pelas garças, o rio segue seu destino até o oceano, contornando paisagens e enfrentando desafios. No percurso, a revoada dos pássaros dia e noite enaltece suas águas e encanta quem, de longe, observa seu balé no céu da cidade. Pescadores, lavadeiras, canoeiros e caminhantes fazem reverência às visitantes. “Voltem quando quiserem!” – dizem. À espera de um harmonioso reencontro, aproprio-me dos versos de Castro Alves: “Eu sou como a garça triste / Que mora à beira do rio, / As orvalhadas da noite / Me fazem tremer de frio.” Enquanto elas não voltam, fico eu e minha saudade.