A ALDEIA DE RUBEM BRAGA

Um dia, numa brincadeira com Vinícius de Moraes, o escritor Rubem Braga respondeu a provocação do amigo afirmando que Cachoeiro de Itapemirim era mesmo a Capital Secreta do Mundo. Secreta no nome, mas intensamente propagada por onde passou, sua terra natal também foi lembrada em inúmeras páginas de histórias contadas e recontadas por Rubem ao longo de sua vida.

Contam-me contemporâneos do cronista sua curiosidade explícita sobre ‘as coisas de Cachoeiro’. Fato que comumente ocorria durante visitas na cobertura de Ipanema, telefonemas a qualquer hora do dia (e da madrugada) e cartas trocadas com os amigos. Até mesmo na Itália, quando foi correspondente de guerra pelo Diário Carioca, Rubem ficou curioso em saber se havia cachoeirense no front. Impaciente com a demora do irmão Newton em fazer a apuração do fato, ele mesmo percorreu os pelotões em busca de algum conterrâneo. Os nomes dos soldados constam na crônica “Cachoeirenses na guerra”, no livro “Crônicas da Guerra na Itália”.

Assim como Tolstoi que escreveu “se alguém quer ser universal, cante sua aldeia”, Rubem levou Cachoeiro de Itapemirim de norte a sul do país e cruzou o Atlântico com as mais tenras lembranças da cidade. Diferente de tantos que se esquecem de onde vieram, o escritor manteve laços não só com o lugar mas também com as pessoas, os amigos de infância, com o cotidiano cachoeirense que lhe rendeu boas histórias.

Discreto nas aparições na cidade, era comum não se fazer notar nos eventos em que era convidado. Como o dia da final do concurso de crônicas que levava seu nome e para a qual estava sendo aguardado para a premiação. Chegou em Cachoeiro no dia anterior, se hospedou num hotel, percorreu o centro da cidade (que estava em festa), acompanhou a leitura das crônicas dos concorrentes em pé no fundo da plateia e depois foi embora. Assim me relatou o amigo Wilson Márcio Depes, um dos organizadores do evento.

O Velho Braga era avesso a homenagens. Tinha lá seus motivos. Mas, ainda com sua sabedoria nada pomposa, não escondia o orgulho de ter nascido à beira do Rio Itapemirim. “Modéstia à parte, sou de Cachoeiro”, escreveu. Braga se tornou universal, mas nunca se esqueceu de sua aldeia. Nela nasceu e para ela quis voltar após a morte (suas cinzas foram lançadas no Itapemirim), num ato de profundo amor ao seu lugar.

A crônica de Rubem era impregnada de Cachoeiro de Itapemirim. A cidade jamais será a mesma depois dele. A singularidade de sua obra continua a influenciar escritores e leitores, que assim como ele precisam da literatura para sobreviver e entender as coisas da vida.

Cem anos se passaram. Na Casa dos Braga, debaixo do pé de fruta-pão, havia recortes da obra e da vida de Rubem. Fragmentos ao alcance de todos que visitavam a casa no dia do centenário. Fiquei ali a imaginar o que o Velho Braga estaria pensando sobre tudo aquilo. Se tivesse comparecido, provavelmente estaria com aquela conhecida feição carrancuda, que escondia um coração simples, generoso e delicado. No pequeno jardim dos Braga, ficamos nós também aprendendo a cantar a nossa aldeia.

Cláudia Sabadini
Enviado por Cláudia Sabadini em 29/03/2013
Reeditado em 03/09/2017
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