NÃO-ME-DEIXES
Duas velhinhas, Dora e Dorinha, todo dia, bem de tardezinha, ficavam ali em suas cadeiras de balanço, sentadinhas numa sombreada calçada lá em Quixadá. Proseando, tricotando e vendo a vida passar.
Contavam histórias dos discos voadores que assombrava o povo, de uma menina chamada Mariana que corria de noite pelas ruas de Quixadá e subia na parte mais íngreme da Pedra do Cruzeiro e que pouca gente viu e outras histórias mais que sabiam de cor e salteado e por assim dizer.
A brisa também ia e vinha e ficava ali rodopiando afoita, curiando, à espreita, ouvindo a prosa das velhinhas, querendo também prosear. Volta e meia espalhava folhas na calçada e caçoando delas, entrava na conversa sem pedir licença, lembrando os tempos antigos, ventando recordações...
Dorinha, quando moça, conheceu um rapaz muito bonito que queria se casar com ela e já tinha até pedido a mão dela, mas só que ele queria morar em Fortaleza, pois tinha casa lá e tudo o mais. E tudo o mais.
- E deixar o meu Quixadá? – foi a resposta dela. E não casou não.
Dora que era filha de Maria, devota do Sagrado Coração de Maria, sorriu baixinho com a resposta de Dorinha e por isso também não casou.
Quixadá é um lugar para ficar no coração e não para deixar para trás, assim, sem mais nem menos. E não casou mesmo.
A lua já se ajeitava por cima da Pedra do Cruzeiro e o sol pincelava as nuvens com matizes impossíveis e inimagináveis por detrás da serra do Estevão, tingindo as águas do Cedro de verde, azul, rosa e anil. O vento frio, anunciando a noite, expulsou suavemente a brisa vespertina que prometeu, fustigando no ouvido das velhinhas, que voltaria amanhã, de tardezinha, para prosear e ver a vida passar, nas calçadas sombreadas lá em Quixadá.