VELHO E TORTO

Um telhado velho e torto, parte da parede faltando reboco, e torta, pintada com cal e bisnaguinha azul, mas já desbotada pela ação da natureza. Janela empenada. Uma escada de madeira que sofreu o efeito sol e chuva, resultado: torta. Enquanto escrevo esta crônica percebo que o vício de sentar errado me deixa com a coluna torta. No telhado um menino enche a caixa de 500 litros com água bombeada do poço. Uma cadeira velha empoeirada compõe o cenário do lado de fora da casa. Aparentemente não há beleza nisso. Na época não, mas hoje sim.

Tantas recordações que me chegam à lembrança: fogão à lenha, o violão que me dava a mais afinada nota musical, o velho toca discos que me confortava nas noites geladas, quentes, nos tempos das flores, das folhas no chão, secas e cheias. Sem computador, televisão, celular... Longe da cidade. A foto não mostra, mas ao lado, um Fuscão todo lascado, ano meia nove, escapamento barulhento que parecia uma locomotiva, reinava debaixo do rancho onde ficava. Pegava na primeira, bastava uma boa descida e agilidade para dar tranco. Depois dele, todo carro pra mim é bom. Parecia me dizer algo, não entendia, mas tinha a ver com ficar quieto na garagem. Já estava cansado, creio que nem exista mais.

O tempo passa e sentimos falta de coisas que jamais imaginaríamos sentir. Nunca pensei que um homem em sã consciência pudesse ter saudade do cheiro de bosta de animal, por exemplo. Não me venha com essa de nojinho, porque tenho certeza de que já fez ou fará coisas piores, e com a boca. Quem mais ficaria alegre ao lembrar do tempo em que acordava às 4h da matina, enchia o garrafão com água, ia ao curral tirar leite, pouco mais tarde ajudava o Veião no cafezal? Se bem que pela magreza dá pra perceber que minha ajuda pouco valia. Durante o dia não tinha com quem conversar, por isso alugava os ouvidos do alazão que atendia por Sereno, contava tudo para meu fiel companheiro, o Feroz.

Meu pai que se diz analfabeto aqui na cidade é um doutor lá na roça. Ele sabe a quantidade exata de leite que o bezerro pode mamar: se pouco, dá disenteria, se muito, dá caganeira. O controle disso era feito bem cedinho enquanto cuidava da Mococa, da Malhada, da Maura. Calma! A Maura era uma vaca que ganhou nome de gente porque quem a vendeu se chamava Mauro. Se bem que aqui na cidade tem bastantes vacas com nome de gente. Olhando a foto você deve pensar: “será que ele não sente vergonha de mostrar como e onde vivia?” Sinceramente? Não. Quer saber, tenho orgulho. Se quero voltar? Jamais, mas tenho saudade. Olho pra trás e digo: “bom é Deus e a Sua benignidade dura para sempre”.

Eder Tofanelli
Enviado por Eder Tofanelli em 28/03/2013
Código do texto: T4212615
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