O BEBADO E O TURISTA

A cidade de Jarinu tem particularidades que só conhece quem é daqui. No sábado vi uma cena que exemplifica isso. Na praça um bêbado cantava e dançava e um turista não gostou, se sentiu incomodado com a desagradável presença, as pessoas da cidade pelo contrário tratavam o bêbado muito bem , com paciência e simpatia. O apelido do bebum é “zico”, alcunha herdada no tempo em que jogava futebol. “Zico” bebeu tanto e agitou tanto que quando caiu, ficou no mesmo lugar, dormindo, até que amigos vieram e com zelo o colocaram em um carro para levá-lo para casa. Esta paciência o turista não entendeu. Mudamos então o cenário, vamos até o Sitio São Nicolau onde trabalha e mora o agricultor João Miguel, homem sofrido pela vida, maltratado pela sorte, porem lutador, um bravo guerreiro, honestíssimo e muito simples. Inculto, por abandono intelectual de seus pais ou da época e local em que viveu, João aprendeu a lida com a terra, sabe como fazer o chão parir os alimentos que nos vem à mesa. Seu dia a dia é muito calmo, tem a paz da solidão que amargura, passa os dias quase sempre acompanhado de um cachorro vira latas. É meeiro e de pequeno pedaço de terra, que toca sozinho, a mulher que antes ajudava agora fica em casa tomando conta de um neto filho de mãe adolescente e despreparada. O ganho é pouco, as despesas são muitas e o João sofre muito quando não consegue suprir as necessidades da pequena casinha, por isso mete o muque na terra fazendo com que produza na marra. Contam que já foi bem de vida, mas a sorte o abandonou, perdeu uma grande lavoura por chuva de granizo, ficou devendo, acreditou fez empréstimos e conseguiu uma excelente lavoura e vagem, o tempo e o clima ajudaram, mas a sorte veio para todos e a oferta ultrapassou a procura e perdeu tudo por falta de preço. Se afundou em dividas, sua primeira mulher o abandonou. Casou de novo, plantou de novo, acreditou de novo, fez sociedade em uma lavoura maior, o sócio era mais esperto que João e não tão honesto e o resultado não foi bom. Mesmo quando as coisas dão certo para ele, no final acaba dando errado. Com filhos adolescentes João Miguel queria dar à eles a cultura que não teve e como a escola aqui é apenas até o ensino médio, o azarado agricultor sempre sonhou em colocar internet em casa para ajudar na educação. Quando as condições foram favoráveis a internet foi instalada e enquanto João plantava os filhos navegavam nas coisas ruins, em sites pouco recomendados e assim a modernidade que conseguiu com esforço veio para roubar a inocência os filhos e levá-los por maus caminhos. Mas com tudo isso o João não reclama, enfrenta. Se o dia não foi suficiente para atingir suas metas, no dia seguinte levanta mais cedo, é um pequeno herói, um lutador, um bom marido e bom pai que curte suas dores sozinho . Porem o grande dia da semana é o sábado, dia de ir até a cidade, ver os amigos e tomar uma cachacinha porque ninguém é de ferro. E de amigo em amigo, e gole em gole O João que agora entre seus amigos é tratado pelo apelido de “Zico” enche a cara. Bebe, mas bebe mesmo, canta mas canta muito, como se assim espantasse todo o mal, mas só os amigos sabem que toda aquela alegria é na realidade o choro que não pode chorar, é lagrima que não pode derramar porque todas foram transformadas em suor que ajudou a molhar a terra. Por isso quem é de Jarinu entende e ajuda o “Zico”. Não havia meios mesmo de o turista saber disso.

danilos
Enviado por danilos em 27/03/2013
Código do texto: T4209752
Classificação de conteúdo: seguro