Para onde vai o nosso dinheiro?

PARA ONDE VAI O NOSSO DINHEIRO?

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 27.03.13)

Se formulada há 11 ou 12 anos, a pergunta (Para onde o leitor acha que vai o seu dinheiro?) poderia ter relação direta com a onda de privatizações que quase quebrou o Brasil, na esteira da doutrina neoliberal que pregava o mínimo de Estado para o máximo de Mercado (assim mesmo, com maiúscula, da forma como se grafa Deus). Por pouco não entraram na brincadeira de passar a mãos privadas, por preços irrisórios, peças do patrimônio público, nossas, como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Fundação Biblioteca Nacional.

E onde foi parar o dinheiro das privatizações efetivadas, onde desaguou a receita proveniente da venda de bancos estaduais, Vale do Rio Doce, empresas de telecomunicações, geradoras de energia e por aí afora? Com certeza, não chegou aos hospitais, nem às escolas, nem às estradas, nem aos nossos bolsos, donos que éramos de tudo o que foi liquidado, isto é, tornado num líquido que escorreu e sumiu.

O neoliberalismo que nos tentavam impor - e quase conseguiram - fez o que está feito com a Europa, por exemplo: um continente em crise, com pessoas afundadas no mais cruel desânimo e correndo para o Brasil, entre outros poucos países, em busca de emprego, salário e oportunidades.

Um amigo respondeu à pergunta sobre o destino de dinheiro dele. Proprietário de um terreno de 100 mil m² no topo de uma pequena elevação em algum lugar do país, decidiu implantar ali um condomínio. Demorou três anos para juntar todas as licenças e tirar o projeto do papel. E demorou apenas três anos porque desembolsou 250 mil reais. Não, não foi um quarto de milhão em impostos, taxas, selos e outros tributos, não: foi em propina mesmo, que lhe exigiram aqui e ali, em órgãos públicos municipais, estaduais e federais, para o processo andar. "Se fossem só beliscadas de dois ou três mil, ou mesmo dez mil, ainda vá lá, mas de repente surgiam mordidas de 50 mil." Ele deu siglas de repartições e até nomes de pessoas que enfiaram a grana no bolso: ele sabe para quem pagou cada centavo dos 250 mil reais e os corruptos sabem exatamente quanto receberam dele. Na verdade, muita gente sabe disso, sabe quem são essas pessoas, mas ninguém pode falar. (Faltam as provas!)

Ele conta que foi marcante a atuação de um funcionário público que acabou desenredando tudo e levando o caso ao seu desfecho: tal sujeito fez tudo isso e - pasmemos! - não pediu nem recebeu um tostão furado que fosse!

Este mesmo "Diário", em editorial recente, deu mais uma notícia do destino do nosso dinheiro. Foi por conta da redução de impostos federais sobre os produtos que compõem a cesta básica. A equação parecia simples e eficaz: eliminando impostos, os preços baixam, os lucros (também chamados de "ganho para novos investimentos", o que nem sempre corresponde à verdade) não são afetados e a inflação sobe menos.

O que aconteceu na verdade, contrariando toda a lógica cartesiana, é que os preços subiram após a supressão dos tributos, o que significa dizer que os lucros explodiram: o nosso dinheiro deixou de ir para impostos que pagariam hospitais, escolas, estradas e livros e foi para o bolso de quem vende, ou seja, da iniciativa privada. Uma espécie de propina que nos arrancam impiedosamente para entregar o produto que compramos. A isto se dá o nome de lógica de mercado.

O empresariado, que se intitula neoliberal por excelência, brada contra o Estado só da boca pra fora, pois as tetas públicas são uma boca farta que ninguém admite perder.

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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.

"Enquanto não fabricarmos nossa própria mecha e nossa própria pólvora, enquanto não adquirirmos uma consciência visceral da necessidade de nossa própria explosão, de nosso próprio fogo, nada será profundo, verdadeiro, legítimo, tudo será uma simples casca, como agora é casquinha, só casquinha, nossa tão apregoada democracia. E se nossos próceres, incluído seu avô, podem dizer impunemente que têm as mãos limpas, isso só se deve a que nosso conceito de higiene política deixa muito a desejar."

Mario Benedetti, Gracias por el Fuego.