UMA PROSA À MEIA-NOITE
No início da madrugada de 27 de março de 2013
O pior cego é aquele que vê demais. Ver demais obscurece a visão, ao contrário do que imagina a nossa vã filosofia ou, para complicar um pouquinho mais, a nossa vã auto filantropia. Achar é estar distraído, isto é, não procurar ver demais para que não nos ataque a cegueira irremediável diante do real. Por sua vez, há cegos que veem muito além da conta, mas isso pertence a outro departamento ou a outra história, como preferirem os que se estejam expondo à leitura desta prosa sem sentidos predispostos a serem tecidos no exato momento presente, ou melhor, destecidos, que isso mais parece um casaquinho de tricô com um ponto solto bem no meio e aí a tricotadeira se vê obrigada a desmontar metade das costas do casaquinho que já ia pelo meio. Não me perguntem nem se perguntem nada sobre o que esta bobagem toda está a dizer. Ela não pretende dizer nada: eu estava aqui, no vazio dos pensamentos ociosos, inúteis e, inutilidade por inutilidade, entrei no Recanto e me pus a escrever este “texto”, ao vivo e não em cores. Não exatamente a compor uma escrita automática – ora, vejam só que beleza esse “compor uma escrita automática”. Quem sou eu, quem me dera ausentar-me de mim o suficiente em alguma escrita automática. O que eu desejo é repartir um pouco dessa loucura noturna, a esmo, com algum pobre leitor que nela caia, ao acaso, como diz o título, e nela permaneça para ver se essa maluquice deságua em algum lugar minimamente aceitável. Poderia continuar a escrever indefinidamente, assim, sem razão qualquer, sem pausa, como a vida. Só porque pensei nisso parei um instante e me vou de novo por esse lago estagnado de palavras, simplesmente porque não tenho ânimo para telefonar a algum (a) amigo (a) ou para o amor da vida (a quem não poderia ligar) mais perdido dentro de si mesmo do que este pobre texto aqui presente (?). Pobre texto meu, pobre amor meu, assim tão ausentes de si mesmos. Pobre leitor incauto, caindo nessa teia. Sorte dele, leitor, é que a aranha está tão morta de cansaço que não tem forças para causar mal a quem quer que seja. Na verdade, uma aranha que só sabe devorar a si mesma.
REPUBLICAÇÃO.