Capítulo 05

1998

Os alunos do Colégio Santa Rita vestiam uniformes, segundo todos eles eram uniformes ridículos: camisetas gola pólo branca e calças jeans azuis, os tênis obrigatoriamente tinham que ser pretos.

O prédio centra, onde ficavam as salas de aula, tinha três andares e era em forma de “U”, no centro ficavam quatro quadras poli esportivas, no subsolo tinham um grande teatro que era alugado á cidade para apresentação de peças e algumas vezes, congressos menores.

A maioria dos alunos do Santa Rita eram alunos de classe média alta, havia poucos alunos de classe alta e muito menos ainda de classe média baixa, na verdade os únicos alunos de classe baixa eram vinte esforçados que entravam todos os anos com bolsas de estudo de 100%, porque eram bons alunos, bons jogadores de futebol ou então músicos talentosos. Caio era um desses sortudos que estava incluído em bons alunos. Seus pais eram de família de baixa renda, tinham montado um restaurante no centro da cidade, mas faliram após um ano de funcionamento e após isso, os aluguéis ficaram atrasados, o antigo colégio particular não teve piedade e eles foram morar de favor com a mãe de seu pai, Dona Amélia. Uma senhora bondosa que viria á falecer alguns anos depois, deixando a casa de herança para os pais de Caio. O garoto passou á estudar em uma escola estadual.

Talita viu Caio pela primeira vez. “Sabe aquela sensação que você conhece a pessoa há mais tempo do que realmente conhece?!” dizia ela ás amigas no recreio toda vez que via o garoto. O garoto tinha cabelo castanho claro e entre o encaracolado e o ondulado, devia ter quase um metro e setenta e cinco e tinha os ombros largos, não era exatamente forte, mas a natação tinha ajudado á alargar as costas. Talita era loira com o cabelo liso, tinha um metro e sessenta, não era magra, mas também não era gorda, podia-se dizer que “estava no peso”, tinha um modo de andar elegante, que chamava a atenção dos garotos mais velhos do seu colégio. Ela era de família rica, mas diferente da maioria de sua classe, ela era humilde e admirava qualidades como sinceridade e honestidade, qualidades que as pessoas dizem admirar, mas não admiram realmente, Talita era diferente, ela gostava de ouvir: “você está feia, troca essa roupa!” era preferível que passar vergonha por ter ouvido: “nossa, você tá fantástica!”

Os dois tinham quatorze anos, estudavam em classes diferentes, mas Talita conseguiu mudar de classe no início do segundo semestre, alegando desavenças com algumas colegas. Na verdade não precisava disso, seus pais eram ricos, e o diretor adorava agrada-los. Em um dia 22 de setembro, como se o destino não pudesse ser mais irônico, a prof.ª Mônica sorteou as duplas para fazer um trabalho e Caio e Talita caíram na mesma dupla, e mais irônico ainda foi o grito de comemoração que os dois deram ao mesmo tempo, um de cada lado da sala de aula, todos olharam e ninguém sabe dizer qual dos dois ficou mais vermelho.

Eles nunca tinham se falado antes. Caio após a aula convidou Talita para fazer o trabalho no shopping, ela insistira em fazer na casa dele, mas ele se negou definitivamente á leva-la em sua casa: “uma garota acostumada á motorista não vai conseguir se concentrar na minha casa”, pensou. Talita aceitou o convite de fazer no shopping.

E esse pode-se dizer que foi o primeiro encontro dos dois. Caio estava vestido com uma calça cargo, um pouco velha, mas bem cuidada e passada por ele mesmo, uma camisa de botão verde escura e um tênis da Diadora falsificado que ele comprou num coreano do centro. Talita estava de salto alto, um vestido florido, de fundo preto com flores rosas e amarelas, o vestido realçava o peito que era grande para uma garota de quatorze anos, nos seus braços ela carregava uma bolsinha daquelas que as mulheres usam: quanto menor, mais cara, e essa de Talita, mal cabia o celular (um acessório incomum para os jovens em 1997).

Nenhum dos dois quis fazer o trabalho: Caio esqueceu completamente o assunto, Talita nem papel e caneta trouxe, então, Caio como quem tivesse decorado um texto, convidou-a para um cinema e ela como se esperasse desesperadamente pelo convite, aceitou-o.

Ele não a beijou no cinema, sequer tentou. Ela passou o cinema todo agarrado ao braço esquerdo dele, sentindo o seu perfume: não sabia qual era, mas era algo bem forte e gostoso. E ele viciava-se no perfume dela. Ela aguardava ansiosamente pelo beijo dele, e ele xingava ferozmente sua timidez.

Após o cinema, ela foi ao McDonald’s e quando voltou, ele estava comendo um sanduíche de queijo e presunto que ele trouxera de casa e guardara no bolso de sua calça, assim que a viu, guardou-o de volta no bolso. Ela não entendeu.

Na semana seguinte, ela o convidou para um jantar em um restaurante, um daqueles chiques, ele aceitou, tomando um susto ao ouvir o nome do famoso restaurante. Caio passou a semana sem ir á escola, também não atendia os telefonemas de Talita porque nunca estava em casa, mas na sexta ligou pra ela e confirmaram o jantar.

O Madre Nostra era um restaurante requintado, localizava-se no bairro nobre da cidade, tinha manobristas, bufes de saladas, queijos e várias outras coisas, um garçom pra cada mesa, servindo refrigerante, havia música ao vivo com uma banda tocava Black Balloon,uma música que a banda Goo Goo Dolls acabara de lançar em seu último CD. A iluminação era pouco clara dando certa privacidade aos dois, a música deixava o clima perfeito para um casal apaixonado.

Caio comia demais, notou Talita, começava a achar que ele nunca comera uma comida tão boa, e ela estava certa, há anos que Caio não sabia o que era uma comida tão gostosa.

- Por que você não foi á aula essa semana? – perguntou ela – Você tava doente?

Caio engoliu timidamente, levou as mãos ao guardanapo, quis limpar a boca, “está suja ou não?” pensou, limpou a boca do mesmo jeito.

- É que eu estive trabalhando – respondeu sem fita-la nos olhos.

- Trabalhando? Por quê? – perguntou atônita.

- Eu trabalhei a semana toda ensacando compras no supermercado do lado de casa. – respondeu ele- precisava ajudar meus pais – tentou mentir.

- Tudo isso pra vir jantar comigo aqui, Caio? – perguntou ela, sabendo que ele mentia.

Ele concordou com a cabeça.

- Nossa, você está linda! - ele não queria ter dito isso, havia pensado alto, rapidamente levantou os olhos para encontrar-se com os dela.

E era essa sensação que Talita tinha sentido e que os dois sentiam agora, o de se conhecerem á muito mais tempo do que realmente se conheciam, de uma ligação espiritual estar sendo feita novamente, seja de vidas passadas ou não, o fato é que Caio e Talita não se apaixonaram apenas fisicamente, mas também apaixonaram-se em espírito e apaixonaram-se mentalmente, o tripé do amor estava montado: corpo, mente e espírito estavam amando. O beijo foi longo e honesto, como todo beijo deveria ser: não uma troca de fluidos, mas uma troca de sentimentos, de desejos, de energias, como se Talita estivesse se afogando e no beijo, Caio passasse o ar dos pulmões para mantê-la viva, porque a vida dela era mais importante que a dele, porque sem ela, ele não queria mais viver.

5 anos após esse beijo, ela estava linda: toda de branco e ele estava elegante de preto, fazendo os votos em cima do altar.

A vida deles tinha melhorado consideravelmente: ele ingressou na faculdade de direito com dezessete anos e formara-se com vinte e dois, desde os vinte trabalhava como estagiário na polícia civil, como ajudante do delegado Mendes, aprendera tudo sobre o serviço, mas ao formar-se, abriram concurso para a polícia civil e Caio prestou para investigador.

- ...até que a morte os separe – disse o padre.

- Dois meses, talvez três. – disse o médico – Não mais que isso dona Talita.

Ela continuava em silêncio.

- Eu sinto muito. – disse ele

Ela fitou os olhos do médico, com as lágrimas lavando a face.

Eu sinto muito, Caio – pensou.

E deixou o consultório, sem saber o que diria ao marido.

Ace
Enviado por Ace em 21/03/2007
Código do texto: T420910