Capítulo 04

O telefone no kitnet de Marco tocou ás seis da manhã, Catarina atendeu, falou algumas palavras naquele estado acordado, mas dormindo e passou o telefone pra Marco, levantou-se e foi juntar suas coisas: os sapatos estavam jogados um em cada canto do quarto, a saia estava em cima da cama, mas toda amarrotada, a camisa, nem se fala, mas onde estava sua calcinha? Ela encontrou debaixo da cama. Como você veio parar aqui? Perguntou pra peça de roupa.

Marco desligou o telefone e se espreguiçou. Perguntou se ela queria tomar um banho antes dele e ela recusou, precisava chegar em casa antes que o noivo voltasse de viagem. O noivo de Catarina era médico e viajava muito para dar palestras em congressos, segundo ela era um rapaz de vinte e sete anos, cardiologista, ela ficava sozinha e as brigas por telefone e pessoalmente eram freqüentes e intensas, o homem era muito estressado pelo trabalho e ela pelo tédio, era daquelas mulheres que casam para serem sustentadas.

Marco ajudou Catarina a juntar o resto de suas roupas e serviu leite esquentado no microondas, ela aceitou e bebeu rapidamente, Marco foi tomar um banho e quando voltou, a mulher já tinha ido embora.

Ele não vestiu sua roupa típica de trabalho, dessa vez optou por usar uma de suas camisas pólo favoritas: uma preta escrita nas costas: POLÍCIA CIVIL – DEPHO (departamento de homicídios) e o desenho da águia, símbolo do departamento, na manga direita da camisa, costurado, havia a caveira com a faca enfiada, o símbolo do BOE. A camisa ficava um pouco apertada nos braços de Marco, mas ele gostava disso. Olhou-se no espelho, estava bem, a aparência estava cansada, como a de alguém que sobrevive á uma noite de sexo e apenas três horas de sono. Marco olhou para a cama, ainda desarrumada, convidando á deitar e dormir de novo, mas que diabos, nem o banho deu jeito nesse sono, pensou. Decidiu ir até a cozinha e preparar um café, mas ao passar pelo interfone ele tocou, era Caio pedindo que descesse logo.

- Merda! – praguejou. Pegou uma colher de sobremesa, encheu de café em pó e enfiou na boca fazendo uma careta ao sentir o gosto – Isso deve servir.

O beco, apesar de ficar numa das zonas nobres da cidade, mostrava as diferenças econômicas na região, era ocupado por gangues locais e com certeza, antes da polícia chegar para investigar o assassinato, uma boca de fumo agia ali vendendo drogas aos filhinhos de papai das redondezas, hoje, porém, os traficantes tiraram uma folga. O beco tinha pixações de gangues famosas como Ratos do esgoto e Mancha, todo mundo sabia quem eram essas gangues e seus integrantes, mas a polícia tinha um acordo de não agressão com elas e por isso, hoje, Marco sabia que não haveria problemas.

O corpo estava estendido no chão, a perícia estava em cima dele, tirando fotos e colocando plaquetas numeradas para indicar os pontos interessantes da cena do crime.

Caio e Marco chegaram no Vectra verde escuro de Caio e tiveram que atravessar uma multidão de espectadores antes de passarem por baixo da faixa amarela, o corpo já estava sendo embrulhado. Marco pediu que esperasse um pouco, o perito aguardou impacientemente, fazendo uma ligeira careta que foi notada apenas por Marco, o mais observador dos dois. Ele levantou o queixo do cadáver para ver uma marca de faca. Havia uma perfuração na região do tórax. Caio enfiou as mãos no bolso do rapaz, encontrou seus documentos, seu nome era Oscar Santos, encontrou também cinqüenta e cinco reais em notas de dez e cinco. Olhou para Marco.

- Latrocínio não foi – comentou calmamente com Marco que apenas concordou com a cabeça.

- Talvez o ladrão não tenha tido tempo de revistar tudo – intrometeu-se o perito que coletava sangue que havia nas redondezas do corpo.

Marco olhou impaciente para ele e desviou sua atenção de volta para o corpo, observou atentamente o cadáver. Explicou para o perito que uma pessoa que se dá o trabalho de aplicar duas facadas em pontos tão estrategicamente vitais, se daria ao luxo de, no mínimo, levar o dinheiro da vítima.

- Isso não foi um assalto – comentou – isso está me cheirando á motivos pessoais.

A multidão aumentava a cada minuto que passava, as pessoas comentavam, apontavam e a mídia já estava chegando, ou melhor, acabara de chegar. Caio viu um repórter famoso, daqueles que adoram cobrir matérias do tipo que só as pessoas de mais baixa renda costumam assistir, na hora do almoço. Logo chegou um outro carro repórter da rede globo, isso vai virar uma algazarra pensou. Pediu que embrulhassem o corpo e levassem até o IML.

- Detetive – chamou um policial – temos uma testemunha.

O cara era um mendigo local, fedia tanto que causou náuseas em Marco e Caio, ele tinha uma grande barba grisalha, usava uma camisa rasgada marrom e um casaco verde xadrez aberto, usava calças jeans surradas, com marcas marrons de algum tipo de sujeira que até o melhor laboratório de perícia criminal teria trabalho pra identificar suas substancias, nos pés tinha um par de havaianas azuis claras.

Agora a testemunha comia um sanduíche de queijo, carne e legumes que ele pedira para Caio comprar como um ato de boa fé. Ele havia pedido primeiro á Marco, mas esse ameaçou colocar ele na caçamba da viatura por negar cooperar com a polícia. Caio pediu calma e chamou o dono de uma barraquinha ambulante para servir o sanduíche ao homem, para sorte do mendigo, de nome Zé Ferreira, o sanduíche vinha com um suco natural.

Zé Ferreira comia depressa, como um animal que tem medo que roubem sua comida, parecia que não via comida há anos, comia pedaços grandes e talvez nem estivesse saboreando, quando acabou de comer tomou o suco num só gole.

- Tá certo amigo, o que foi que você viu? – perguntou Caio enquanto Marco ia anotando.

Noite passada.

Um homem entra no beco assustado, ele parece mancar, o homem parecia um garoto, aparentava entre os dezoito e vinte anos, tinha dezenove. Ele está fugindo de alguma coisa, como naqueles filmes de psicopata, em que a vítima corre de um assassino que vai andando atrás dela. Ele passa por Zé Ferreira, o mendigo dormia encostado á parede ao lado de um latão de lixo e tentava se proteger da pesada chuva que caía.

O garoto tropeçou em um paralelepípedo solto na rua, caiu de cara no chão, enfiando a cara numa poça imunda de água e sujeira.

Um homem passa correndo por Zé Ferreira que assustado se encolhe no seu canto, rezando para não ser visto.

O garoto começa a rastejar de costas, ele não tem coragem de dá-las ao agressor. Começa a chorar desesperado.

- Quem é você? – pergunta desesperado.

Silêncio, apenas uma aproximação em câmera lenta do homem. Zé Ferreira não consegue ver nada no meio da chuva, apenas dois vultos, um chorando e implorando por sua vida, oferecendo dinheiro, perguntando o porquê daquilo tudo...

- Levante-se – ordenou o agressor.

Oscar se levantou. Foi agarrado pelo pescoço e encostado na parede. O agressor chegou mais perto do garoto.

- Ah meu Deus! – exclamou o garoto – mas como?

O silêncio do homem foi interrompido quando ele puxou uma faca.

“Grande que nem aquela do Rambo” disse Zé Ferreira mostrando o tamanho com as mãos.

- Por favor cara, me obrigaram a fazer aquilo, eu fui contra! – disse chorando Oscar.

Silêncio por parte do agressor. Zé Ferreira podia sentir o ódio transpirando pelos poros do agressor, não conseguia ver nada, mas sentia pela respiração, pela aura invisível que todas as pessoas têm, que o homem estava realmente furioso.

- Selva companheiro! – quebrou o silêncio o homem, levando rapidamente a faca ao tórax do garoto, fazendo um barulho bizarro de osso, carne e tudo o mais se abrindo, quebrando e rasgando. O garoto soltou um som abafado de “Ufff” quando a lâmina penetrou sua carne e um som mais bizarro ainda quando o assassino tirava a faca, forçando para baixo, aumentando o estrago. Oscar cuspiu sangue, as pernas mandaram-no tombar, tudo estava turvo para o garoto, já nem sentia mais a chuva pesada caindo em seu corpo, mas mesmo as pernas implorando para que o peso cedesse, a segunda facada veio de encontro ao seu queixo, de baixo para cima, fazendo com que o garoto continuasse em pé sentindo o gosto do sangue.

O assassino deu as costas e foi saindo do beco. Zé Ferreira que observava tudo isso incrédulo, encolheu-se. O homem, agora podia ser melhor visto por Zé, o velho notou o porte forte do assassino, que usava uma blusa regata branca e calças jeans, não ousou olhar para o rosto do homem. Foi percebido. O homem parou na sua frente, com a faca pingando sangue.

- Por favor, não me mate senhor! – implorou o velho mendigo – eu juro que não vi nada!

Silêncio.

Zé Ferreira fechou os olhos, esperando uma facada ou um chute na cara, esperava qualquer coisa, só queria ficar vivo. Quando abriu os olhos, o homem havia desaparecido na escuridão da noite.

- Isso é tudo o que eu vi – disse o velho.

Caio e Marco se viraram e puseram-se á andar, em direção ao Vectra.

- Espera aí – disse Zé Ferreira – vocês não vão me dar proteção? Ele pode voltar pra me matar.

Marco parou e olhou pro velho.

- Se ele quisesse te matar vovô, teria feito isso naquela hora – disse Marco sorrindo – você está seguro, acredite.

Enquanto isso, Caio mantinha na cabeça duas palavras: Selva companheiro!

Ace
Enviado por Ace em 21/03/2007
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