A VÊNUS E O CIRURGIÃO
No romance “O Retrato de Dorian Gray”, escrito em 1889, Oscar Wilde nos conta a história de um moço bonito que vendeu sua alma para permanecer jovem. No lugar do corpo envelhecia seu retrato. Imune à passagem do tempo, o peso dos anos e todos os excessos do rapaz refletiam-se apenas no retrato, escondido num quarto a que ninguém tinha acesso.
Filmes e outras obras de ficção também já exploraram o tema - a busca da eterna juventude - sob diversos ângulos. Lembro isso a propósito da notícia de que, em São Paulo, cerca de dez mulheres denunciaram um médico que as teria mutilado, em diferentes partes do corpo, como resultado de desastradas cirurgias plásticas. Clínico geral empunhando o bisturi. Pelas imagens da tevê, veem-se cortes e fendas na carne das pacientes que mais parecem crateras da Capadócia. Qualquer leigo percebe a grossa barbeiragem. Tanto, que o improvisado cirurgião já é chamado de Dr. Frankenstein.
E o fato não é novo. Casos similares vêm acontecendo com uma frequência assustadora em outras cidades. Talvez atraídas pelo preço convidativo e o pagamento em “suaves prestações”, muitas mulheres arriscam a vida ao se entregarem às mãos ineptas de profissionais aventureiros, em clínicas com instalações precárias e falta de equipamento adequado. Profissionais que vendem o sonho de recuperação das belas formas físicas como se fosse uma operação de limpeza de pele num salão de beleza. Você entra com 40 anos e sai com 25. Só que, muitas vezes, a emenda fica pior que o original, com o acréscimo dos danos psicológicos. E o sonho – que era saudável – vira pesadelo.
Parecem consultórios, mas funcionam como lojas. Anunciam pacotes e fazem promoções de verão. Busto: três mil. Busto e barriga: quatro mil. Oferta 3B (busto, barriga e bumbum): cinco mil. Atente-se ainda para o risco com os silicones de origem e qualidade duvidosas.
O mesmo tema já foi objeto da preocupação de outro escritor bem menos conhecido que Oscar Wilde. Em 1989, talvez prevendo a febre em que se tornariam as cirurgias estéticas (e os riscos de sua banalização), ele escreveu o poemeto “A VÊNUS E O CIRURGIÃO”, com estes versos:
- Uma plástica, doutor,
Para corrigir o busto.
Só assim o meu amor
Vai poder me olhar sem susto.
- Outra plástica, doutor,
Para tirar a barriga,
Só assim o meu amor
Não tem outra rapariga.
O médico, meio cego,
Como se empunhasse um prego,
Enfiou-lhe o bisturi.
O resultado foi dó:
Dos peitos sobrou um só
E o umbigo é que fez xixi.