Uma mulher quase perfeita
Sou uma mulher perfeita. Ou quase perfeita. Na verdade, nem quase acho que sou. Tenho uns pequenos defeitinhos, alguns dos quais são imperceptíveis para as pessoas. Para o meu espelho com certeza não.
Tenho uma cicatriz no pescoço devido a uma cirurgia, feita há quase quarenta anos, para a retirada de um pedaço da tireóide. Eu tinha dezessete anos quando, da noite para o dia, me apareceu um caroço enorme na região do pescoço e os médicos resolveram extirpá-lo. Correu tudo maravilhosamente bem na cirurgia, o problema é que duas semanas depois seria carnaval e eu não poderia brincar. Ah, que tristeza! Mas, com muito jeitinho, pedi permissão ao doutor para que eu pudesse, pelo menos, ir ao clube ver as pessoas brincarem. Ele me fez prometer que eu não iria entrar no salão, que não pularia, que não sambaria, que não beberia, que não tiraria a gaze que protegia o corte (para disfarçar o curativo eu poderia usar um lenço), que não deixaria de tomar os medicamentos, que eu não vestiria fantasia pesada. Eu poderia ir ao baile desde que ficasse sentadinha olhando tudo. Pois sim que eu fiquei sentadinha. Não pulei, não sambei, mas, em pé ao lado da mesa, dancei devagarzinho com a mãozinha pra cima (igual a uma gringa no samba). Foi muito divertido e, graças a Deus, não tive nenhum problema por causa dessa desobediência.
Continuando a falar sobre meus defeitinhos, tenho um pequeno desvio na coluna na região lombar e isso deixa meu corpo meio tortinho. Não dá para notar, mas ele está lá e, às vezes, dependendo da posição em que eu durmo a maior parte da noite, de manhã estou completamente torta. É muito esquisito e engraçado. Mas só eu mesma vejo e só eu mesma rio de mim diante do espelho. À medida que o dia vai passando e vou me movimentando tudo volta ao “normal”, ou seja, ao tortinho discreto.
Também tenho a mama esquerda menor que a direita. É que a pobrezinha já passou por três cirurgias e ainda ficou “torradinha” com as sessões de radioterapia. Ela está feinha, mas eu gosto dela assim mesmo. Ela é uma guerreira, por ter sofrido tantos amassos dos médicos e das máquinas do INCA, por ter enfrentado bisturis, agulhas, curativos, por ter sofrido radiação, enfim, ela passou por poucas e boas. Foi salva de ter sido mastectomizada pelo nódulo estar em fase inicial, mas não foi moleza o que passou. Depois de sete anos ela está aqui, nem tão linda nem tão grande, mas curada, com a graça de Deus. A última cirurgia (mamoplastia) reduziu um pouco a direita para dar simetria e disfarçou bem a diferença que havia entre as duas. E de pensar que houve uma época em que eu sonhava em fazer cirurgia plástica porque tinha complexo de meus seios serem grandes demais. Como eu poderia imaginar que anos depois eu iria ter que reduzi-los, não por estética, mas para salvar a minha vida?
Quando eu era pequena, ficava muito brava com uns coleguinhas que moravam perto de minha casa. É que eles me colocaram o apelido de Garrincha. Adivinhem por quê. Ora, porque eu tinha as pernas tortas. Eu gostava de jogar bola com eles, mesmo sendo menina, mas eu “abandonava o campo” quando eles começavam com gracinhas do tipo: “Passe a bola, Garrincha!”, “Manda pra cá, Garrinchinha!”. Ai, que ódio!
Na adolescência, custei a usar short ou bermuda com vergonha das perninhas tortas. Depois fui deixando de me importar com isso. Até porque elas já nem eram tão tortas assim. Finas, mas não tortas.
Agora, o que me incomodou na juventude mesmo era não ter um bumbum empinadinho, sabia? Não precisava ser exagerado como os das tais mulheres-fruta, mas bem que podia ser um pouquinho saliente. Sei que tem gente que coloca prótese de silicone, mas isso eu não fiz e não faço de jeito nenhum. Além do mais, a essa altura da vida e do campeonato, já não tem mais sentido. Melhor ficar do jeito que está e pronto.
Meus cabelos sempre foram do tipo rebelde: encaracolados e volumosos. Na época da faculdade eu até que curtia, pois a Tropicália, movimento musical representado principalmente por Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e os Novos Baianos, estava no auge. Eu me sentia uma Gal, pelo menos no penteado (ou despenteado), não na voz, claro. Hoje meus cabelos estão lisos (na marra), porque acho que fico bem melhor assim. E se eu acho, está ótimo. O importante é que a gente se sinta bem. Algumas pessoas me dizem que sentem saudade do meu cabelo enroladinho, eu digo que não sinto nenhuma. Que mania que as pessoas têm de dizer como você deve fazer com seu cabelo: enrola, alisa, prende, solta, deixa crescer, corta!
Por último, vou falar do meu rosto. Linda não sou, mas também não sou feia. Pelo menos não me sinto assim. Acho até que não estou tão mal considerando os meus cinquenta e cinco anos. Não tenho muitas rugas, não tenho manchas, a pele é boa. Não costumo usar maquiagem, apenas um batom e um lápis de olho (só capricho na produção quando vou a alguma festa importante), portanto, estou sempre de “cara limpa”. Não tenho nada a esconder.
Hoje resolvi “brincar” com meus defeitos porque tenho visto pessoas dando importância demais a coisas que não têm tanta importância assim. É claro que quando a gente é jovem, a preocupação com a aparência, com a estética, é mais importante que tudo. E as pessoas muitas vezes não se aceitam como são, com o corpo que têm, com seus pequenos ou grandes defeitos. Ficam revoltadas, sentem-se inseguras, sentem-se inferiorizadas. Mas isso tudo é bobagem. Mais importante do que ter um corpo maravilhoso é ter um corpo saudável. E, apesar de ser importante cuidar do físico, também é muito importante cuidar da mente.
As pessoas precisam aprender a amar mais a si próprias, sendo lindas ou não, perfeitas ou não. Mesmo porque não existe ninguém, absolutamente ninguém, perfeito. Há mulheres lindíssimas de rosto, mas com certeza existe algo nelas que não as agrada: pé grande, mão feia, seio pequeno demais ou grande demais, culote exagerado, magreza ou obesidade, etc.
A mídia e suas deusas, fazem uma bagunça na cabeça das mulheres que sonham com aquele cabelo do comercial de xampu, com aquele rosto do tal creme anti-rugas, com aquele corpo sarado das academias, enfim, sonham em ser como aquelas mulheres tão perfeitas. Elas até parecem mesmo de mentira, parecem deusas de verdade, mas na vida real são de carne e osso como todas e, talvez, até mais imperfeitas. Ali tudo é artificial, é tudo preparado para convencer as pessoas a adquirirem os produtos “milagrosos”, que podem transformar uma bruxa em uma cinderela da noite para o dia. Ô gente, acorda! É claro que a gente deve ser vaidosa, se preocupar com a aparência, fazer tudo para aumentar a nossa autoestima, mas não vamos ficar à espera de um milagre.
Milagre é a gente se amar do jeito que é.
Milagre mesmo é estar viva.
Tenho uma cicatriz no pescoço devido a uma cirurgia, feita há quase quarenta anos, para a retirada de um pedaço da tireóide. Eu tinha dezessete anos quando, da noite para o dia, me apareceu um caroço enorme na região do pescoço e os médicos resolveram extirpá-lo. Correu tudo maravilhosamente bem na cirurgia, o problema é que duas semanas depois seria carnaval e eu não poderia brincar. Ah, que tristeza! Mas, com muito jeitinho, pedi permissão ao doutor para que eu pudesse, pelo menos, ir ao clube ver as pessoas brincarem. Ele me fez prometer que eu não iria entrar no salão, que não pularia, que não sambaria, que não beberia, que não tiraria a gaze que protegia o corte (para disfarçar o curativo eu poderia usar um lenço), que não deixaria de tomar os medicamentos, que eu não vestiria fantasia pesada. Eu poderia ir ao baile desde que ficasse sentadinha olhando tudo. Pois sim que eu fiquei sentadinha. Não pulei, não sambei, mas, em pé ao lado da mesa, dancei devagarzinho com a mãozinha pra cima (igual a uma gringa no samba). Foi muito divertido e, graças a Deus, não tive nenhum problema por causa dessa desobediência.
Continuando a falar sobre meus defeitinhos, tenho um pequeno desvio na coluna na região lombar e isso deixa meu corpo meio tortinho. Não dá para notar, mas ele está lá e, às vezes, dependendo da posição em que eu durmo a maior parte da noite, de manhã estou completamente torta. É muito esquisito e engraçado. Mas só eu mesma vejo e só eu mesma rio de mim diante do espelho. À medida que o dia vai passando e vou me movimentando tudo volta ao “normal”, ou seja, ao tortinho discreto.
Também tenho a mama esquerda menor que a direita. É que a pobrezinha já passou por três cirurgias e ainda ficou “torradinha” com as sessões de radioterapia. Ela está feinha, mas eu gosto dela assim mesmo. Ela é uma guerreira, por ter sofrido tantos amassos dos médicos e das máquinas do INCA, por ter enfrentado bisturis, agulhas, curativos, por ter sofrido radiação, enfim, ela passou por poucas e boas. Foi salva de ter sido mastectomizada pelo nódulo estar em fase inicial, mas não foi moleza o que passou. Depois de sete anos ela está aqui, nem tão linda nem tão grande, mas curada, com a graça de Deus. A última cirurgia (mamoplastia) reduziu um pouco a direita para dar simetria e disfarçou bem a diferença que havia entre as duas. E de pensar que houve uma época em que eu sonhava em fazer cirurgia plástica porque tinha complexo de meus seios serem grandes demais. Como eu poderia imaginar que anos depois eu iria ter que reduzi-los, não por estética, mas para salvar a minha vida?
Quando eu era pequena, ficava muito brava com uns coleguinhas que moravam perto de minha casa. É que eles me colocaram o apelido de Garrincha. Adivinhem por quê. Ora, porque eu tinha as pernas tortas. Eu gostava de jogar bola com eles, mesmo sendo menina, mas eu “abandonava o campo” quando eles começavam com gracinhas do tipo: “Passe a bola, Garrincha!”, “Manda pra cá, Garrinchinha!”. Ai, que ódio!
Na adolescência, custei a usar short ou bermuda com vergonha das perninhas tortas. Depois fui deixando de me importar com isso. Até porque elas já nem eram tão tortas assim. Finas, mas não tortas.
Agora, o que me incomodou na juventude mesmo era não ter um bumbum empinadinho, sabia? Não precisava ser exagerado como os das tais mulheres-fruta, mas bem que podia ser um pouquinho saliente. Sei que tem gente que coloca prótese de silicone, mas isso eu não fiz e não faço de jeito nenhum. Além do mais, a essa altura da vida e do campeonato, já não tem mais sentido. Melhor ficar do jeito que está e pronto.
Meus cabelos sempre foram do tipo rebelde: encaracolados e volumosos. Na época da faculdade eu até que curtia, pois a Tropicália, movimento musical representado principalmente por Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e os Novos Baianos, estava no auge. Eu me sentia uma Gal, pelo menos no penteado (ou despenteado), não na voz, claro. Hoje meus cabelos estão lisos (na marra), porque acho que fico bem melhor assim. E se eu acho, está ótimo. O importante é que a gente se sinta bem. Algumas pessoas me dizem que sentem saudade do meu cabelo enroladinho, eu digo que não sinto nenhuma. Que mania que as pessoas têm de dizer como você deve fazer com seu cabelo: enrola, alisa, prende, solta, deixa crescer, corta!
Por último, vou falar do meu rosto. Linda não sou, mas também não sou feia. Pelo menos não me sinto assim. Acho até que não estou tão mal considerando os meus cinquenta e cinco anos. Não tenho muitas rugas, não tenho manchas, a pele é boa. Não costumo usar maquiagem, apenas um batom e um lápis de olho (só capricho na produção quando vou a alguma festa importante), portanto, estou sempre de “cara limpa”. Não tenho nada a esconder.
Hoje resolvi “brincar” com meus defeitos porque tenho visto pessoas dando importância demais a coisas que não têm tanta importância assim. É claro que quando a gente é jovem, a preocupação com a aparência, com a estética, é mais importante que tudo. E as pessoas muitas vezes não se aceitam como são, com o corpo que têm, com seus pequenos ou grandes defeitos. Ficam revoltadas, sentem-se inseguras, sentem-se inferiorizadas. Mas isso tudo é bobagem. Mais importante do que ter um corpo maravilhoso é ter um corpo saudável. E, apesar de ser importante cuidar do físico, também é muito importante cuidar da mente.
As pessoas precisam aprender a amar mais a si próprias, sendo lindas ou não, perfeitas ou não. Mesmo porque não existe ninguém, absolutamente ninguém, perfeito. Há mulheres lindíssimas de rosto, mas com certeza existe algo nelas que não as agrada: pé grande, mão feia, seio pequeno demais ou grande demais, culote exagerado, magreza ou obesidade, etc.
A mídia e suas deusas, fazem uma bagunça na cabeça das mulheres que sonham com aquele cabelo do comercial de xampu, com aquele rosto do tal creme anti-rugas, com aquele corpo sarado das academias, enfim, sonham em ser como aquelas mulheres tão perfeitas. Elas até parecem mesmo de mentira, parecem deusas de verdade, mas na vida real são de carne e osso como todas e, talvez, até mais imperfeitas. Ali tudo é artificial, é tudo preparado para convencer as pessoas a adquirirem os produtos “milagrosos”, que podem transformar uma bruxa em uma cinderela da noite para o dia. Ô gente, acorda! É claro que a gente deve ser vaidosa, se preocupar com a aparência, fazer tudo para aumentar a nossa autoestima, mas não vamos ficar à espera de um milagre.
Milagre é a gente se amar do jeito que é.
Milagre mesmo é estar viva.