Que estranho amor é esse capaz de entregar a própria vida para ser crucificada em troca da salvação de um mundo inteiro? Até hoje nunca compreendi apesar de conhecer muitos de seus gestos. E já faz tanto tempo que essa história existiu. Mais de dois milênios já se passaram desde que Ele veio ao mundo e depois se foi. Antes fizera a sua história e eternizara todos os seus gestos e todos os sentimentos. Entre eles o amor e a esperança... E ainda hoje sua presença está viva em nosso meio. E o temos entre nossos dedos e o guardamos no paladar de nossa língua em cada Santa Eucarístia. É o momento mais sublime que ficou. Seu corpo espiritual fazendo-se vivo nessa mensagem divina e nesse mistério que nossa avidez de tê-lo não pode jamais compreender.
 
           Ainda hoje pensava na sua história... No amor incondicional que lhe tirara a vida da forma mais cruel. Quantas de nossas histórias já se perderam no vazio de uma memória branca? Mas a sua se mantém viva até hoje com todos os detalhes, porque um dia quatro Evangelistas quiseram descrevê-la para que ela fosse eterna. Ainda que não tivesse sido escrita, mesmo assim ela seria eterna e atual em qualquer tempo como se tivesse sido programada para ser atualizada todos os dias.
 
          Não vivemos esta história, embora tenhamos feito parte dela, porque na verdade foi por nossa causa que ela existiu. Por causa de nosso coração insensato e sem amor. E para purificar nosso coração petrificado ele quis mostrar todas as fórmulas desse amor e arrumou um jeito de lembrarmos sempre. Então Ele se fez presente no meio de nós. Fez-se como nós. Despojou de sua condição divina para nos dar o exemplo. Sofreu injúrias e humilhações. E ainda por amor foi capaz de entregar sua vida para nos salvar do pecado. Deveria saber se valeria a pena tamanho sacrifício.  
 
             Tanto sofrimento! Tanta dignidade! Tanto amor! Foi o que emoldurou todo o seu corpo santo. E tamanha é a nossa ingratidão! E ainda somos capazes de dizer em nossos momentos de crise, que se esqueceu de nós, que nos abandonou, quando ele mesmo nos carrega nos braços. Ainda assim trancamos a porta de nossos corações ignorando tudo o que o foi, o que é, e o que será. Talvez, por julgá-lo um estranho amor, e por não conhecê-lo o bastante não aceitamos seus princípios. Sabe esses estranhos amores envultados em promessas que não se saberá serem cumpridas? Quanto engano! Compreendêssemos o bastante, abriríamos os corações para que entrasse... E seria Ele o único habitante de nosso coração e nossa alma vestiria apenas vestes brancas drapejadas dos mais sutis sentimentos.  Não haveria mais sentimentos ruins. Tudo seria uma consubstanciação de puros sentimentos.
 
            E ainda nos curvaríamos, o agradeceríamos e lhe pediríamos perdão. No entanto, vejo que o tempo nos tornou ainda mais egoístas e mais desumanos. Esquecemos de olhar os rostos que passam e ver neles sua presença. Esquecemos de amá-los como Ele os amou. Esquecemos de parar, e em cada situação se perguntar: “o que Ele gostaria que eu fizesse” ou “o que Ele faria no meu lugar”. Poderíamos ainda questionar “se Ele, sendo Deus, amou aquela pessoa, porque eu não deveria amá-lo também”. Certamente o mundo seria melhor e de alguma forma nos redimiríamos. Mas não fazemos nada disso. Deixamos o tempo rolar... Com certeza, na esperança de que Ele novamente nos salve na hora “H”. Provavelmente, nobre e divino que é, ainda nos salvará. Porque seu amor é um amor sem limites. Talvez um estranho amor que não se explica...
 
          Sua presença aqui na terra, embora por pouco tempo, marcou tanto que nem o tempo conseguiu apagar. Dizem que o tempo apaga tudo. Apaga lembranças. Apaga a dor. Apaga as tradições. Pode até ser... No entanto, a sua história não foi apagada. Ela ultrapassou a barreira do tempo. Viajou dois milênios sem sofrer uma única adulteração. Certamente porque não era uma história qualquer. Era a sua história, programada desde que Deus fez o mundo. E nós precisamos dela para viver e para compreender que existe uma “fonte de água viva” que mata nossa sede nessa caminhada tão longa no deserto da vida. Essa mesma fonte é o “Caminho, a verdade e a vida”, ainda que mostrada na forma de um estranho amor que se deixa dilacerar para salvar a outros.
 
 
 
 
( Crônica escrita em 2005 em alusão ao amor incondicional de Jesus Cristo que morreu na cruz por nossos pecados. Nessa semana santa possamos refletir sobre esse estranho amor incondicional)
 
 


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