COMPLEXO DE WENDY
Ontem, pensei que seria ótimo ser o Peter Pan. Mas o Peter Pan é menino. Não, acho melhor ser a Wendy. Não que eu tenha problemas com isso, porque, em realidade, a minha “porção masculina” é bastante forte, consigo pensar “como homem” em diversas situações. Meus amigos homens até de certo modo incluem-me no grupo, porque sabem que sou uma mulher um pouco diferente das outras. Compreendo os homens e seus “mecanismos”. Em realidade, Wendy também é uma menina diferente, já que é inserida em um universo completamente masculino na Terra do Nunca, e adapta-se muito bem a toda aquela situação de aventuras e lutas com os piratas e o Capitão Gancho. E torna-se também uma espécie de líder. Líder sentimental. É a “mãe” que eles precisam, e também a conselheira, a ouvinte incondicional, o elemento apaziguador, o braço forte travestido na figura frágil. Assim, penso que sofro de algo que resolvi chamar de “complexo de Wendy”. Isto é inegável.
Mas, ainda assim, minha porção masculina queria mesmo era ser o Peter Pan, e não pelo mesmo motivo que levaria todas os homens do mundo a quererem a mesma coisa, ou seja, ser Peter Pan para não crescer nunca. Não. Eu queria ser o Peter Pan, ao menos por alguns dias, porque descobri que o Peter Pan, além de não crescer nunca, não compromete-se sentimentalmente com ninguém e nem com nada. E não comprometer-se sentimentalmente, explico logo, não é “não amar”, ou “não odiar”, não, nada disso. Não comprometer-se sentimentalmente é amar ou odiar algo ou alguém sem ter a plena consciência disso. Peter Pan não entende os conceitos de amor e ódio. Peter Pan apenas preocupa-se em ter pensamentos felizes para continuar voando, sempre. Voar é ser livre. É só isso que Peter quer. Peter não quer amar, e nem odiar, e ele pouco se importa se é amado ou odiado. Peter ama e odeia independentemente de sua vontade: ele não tem consciência de seus sentimentos. Não se preocupa com os sentimentos. Deve ser interessante sentir amor ou ódio sem ter consciência deles. Sem saber que “eles” estão ali, dentro de você.
As crianças, todas, são como Peter Pan. Elas amam e odeiam, com a mesma intensidade, mas não são cientes de seus sentimentos fortes e ambíguos. Sentem: choram, sorriem, ficam bravas, têm raiva, gritam, dão gargalhadas, tudo com a mesma intensidade, e depois voltam ao seu estado normal com a maior naturalidade, como se nada tivesse acontecido. Os adultos, geralmente, relevam esses seus comportamentos, porque as amam incondicionalmente. O único amor incondicional que existe é o de mãe-filho e pai-filho.
Digo e repito: a criança, como Peter Pan, sente e não tem consciência de seu sentimento. A criança não tem muita preocupação se sua atitude vai provocar amor ou ódio nos outros. Ela é completamente descomprometida sentimentalmente. Não precisa explicar seus sentimentos. Explicar os sentimentos é a parte mais complicada das relações humanas. Isso é tarefa nossa, dos adultos, mas descobrimos cedo que também não sabemos como fazê-lo, e, um dia, chegamos à conclusão de que seria ótimo voltar a ser criança, para não comprometer-se sentimentalmente.
E então, o que concluo é que Peter Pan não queria crescer jamais não apenas pelo prazer de ser criança pelo resto da vida, mas, isso sim, pela certeza de que nunca precisaria comprometer-se sentimentalmente. Não precisaria sofrer por amor ou por ódio. Jamais. E poderia voar sempre. E saberia que a Wendy estaria sempre lá, esperando por ele.