DA INUTILIDADE; DO ACASO

Publicação de texto na manhã de 21 de março de 2013

O sentimento mais terrível de todos, o mais insuportável de viver é o da inutilidade dos fatos, do sofrimento, da Dor. A necessidade, que de terrível toca o abominável, de se precisar encarar a ausência de finalidade e de Finalidade, a presença e a certeza do Acaso no Ocaso de todas as coisas.

Entrar na vida das pessoas, mover-lhes os sentimentos, sentir-se alterado até a medula dos ossos pelos sentimentos por elas despertados. Sofrer o Inexplicável, morrer de Silêncio. Causar o mal sem jamais se ter pretendido isto; agonizar cotidianamente pelo mal a nós causado, mal inocente de si mesmo. Saber-se e saber outros seres presa de equívocos sem mais tempo nem direito algum a Esclarecimento.

Ir-se em direção ao inexorável Fim do tempo, sabendo-se desprezado, quem sabe mesmo odiado, de todo modo sabendo-se e sabendo ao outro sem compreensão real sem remissão possível, sem tempo para resgate, sem ouvidos quaisquer até mesmo para um pedido de perdão de todos para todos. Saber-se julgado e condenado e incompreendido; saber-se incapaz de verdadeiramente compreender algo do que quer que seja; saber-se sem nenhum direito a apelação; saber-se condenado ao silêncio: todos, mais do que perfeitos personagens kafkianos. Saber-se que, em algum nível, mesmo inconsciente, cada qual se condena, irremediavelmente, a si próprio. Pior do que tudo: saber-se, cada um e todos presa de infinita e insolúvel fantasmagoria de muitos rostos e se ter que, cotidianamente, sobreviver-se a ela, sem mais a esperança efetiva de qualquer real... qualquer real...

Saber desperdiçados os tesouros do próprio ser e os tesouros dos outros seres no interior deles próprios. O horror de ser-se eternamente acusado por tal crime, o de ter posto a perder todos esses tesouros, em si e nos outros. O horror supremo de não se poder ver o rosto do próprio crime, nem tampouco o rosto da própria inocência. O horror de ver a própria vida e a vida de seus parceiros-cúmplices passarem ao largo de si mesmas.

Saber irremediavelmente perdidas as Dádivas do Tempo Mágico. Perdidas, sem resgate à vista, ainda que no tempo mais longínquo, ainda que no tempo fora-do-tempo. As Dádivas do Tempo Mágico seguindo apenas em direção ao Esquecimento. Só a sobrevivência, a cumprir-se o dever de sobreviver sem as cores que um dia moveram o ser, o mundo, os sonhos. Só a sobrevivência. Apenas ela. Durante o tempo que reste. Que nos reste a todos e a cada um.

REPUBLICAÇÃO.