Palávrola
Ontem meu professor de linguística perguntou se a palavra “casa” se parece com a casa em si. Se a palavra, assim, antes de remeter, já lembra a coisa. E há casas que são pequenas, feito a palavra. Há casas com a primeira vogal duplicada, intercalada de duas consoantes que noutros casos se poderiam gritar no mesmo som. Há casas que rimam com “asa” e “Mufasa”. Mas há, também, as grandes, as de hieróglifos, as de versos brancos. E todas as casas – a minha, as que vimos, a tua e as que a gente imagina – chegam à ponta da língua e aos porões da memória do mesmo jeito: pela palavra. A palavra “casa” não se parece, tão somente, com a casa. Ela se parece com todas as casas. E também com o que elas têm dentro ou ao redor de si.
Não sei do antes do remeter. É que, se me dizem “cheiro de hotel”, não consigo lembrar que cheiro é. Antes disso – e bem antes de perceber o cheiro, o hotel ou os signos – eu lembrei de móveis foscos, romance emprestado, cama que se arruma sozinha e vapor num espelho grande – tomara: um dia nublado e uma boa companhia.
As palavras não se podem parecer com coisa alguma. Elas não podem tomar partido.