Rotina de uma vida vazia.

Acordava todos os dias pontualmente às 7 da manhã. Gostava da pontualidade, nunca se permitira atrasos. Escovava-se e tomava um banho de água morna, um banho tão morno quanto ele: nem quente e nem frio, sem graça. Tomava um café requentado e um pão endurecido e depois colocava sua camisa branca, sua calça preta e ia para a empresa onde trabalhava havia muitos anos. Muito introspectivo que era, não era muito dado a relacionar-se com os colegas de trabalho. Quando muito, se permitia dar um bom dia ao colega do cubículo ao lado, era um bom dia vazio...um bom dia burocrático. Sentava-se no seu cubículo e começara a trabalhar. Escolhera um trabalho que era como ele: trabalhava na parte burocrática. Um homem e seu computador redigindo e assinando documentos, papéis frios. Pausa para o almoço. Ia sempre no mesmo self-service e fazia sempre o mesmo prato, arroz, fava e carne de soja. Às 13 horas sempre voltava para o trabalho no seu cubículo, no seu computador, na sua burocracia. Às 20 horas ele chegava em casa, tomava um banho, esquentava algo no microondas, zapeava a TV e, indubitavelmente, às 22 horas estava dormindo. Nos fins de semana, passava o sábado e o domingo sozinho em casa, era um sujeito muito regrado, não saia pra beber, não fumava, não ia pra balada. A rotina se repetira, e se repetira, e se repetira...Hoje, aos 90 anos, em seu leito de morte, percebera o quanto de vida ele teve...e o quanto dela ele deixou de viver. Logo depois, apagou, morreu um ser que já estava morto. Não deixara esposa, não deixara nenhum filho, não deixara nenhum amigo...não deixara nada.

Jô Fernandes
Enviado por Jô Fernandes em 21/03/2013
Reeditado em 21/03/2013
Código do texto: T4199864
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