Amor de menos

Nelson Rodrigues costumava dizer que “amor nunca é de menos, sempre é demais, amor de menos não é amor”. Ele tinha lá suas razões em dizer isso e assim são seus personagens, todos imódicos quando o assunto é amor, o que nos leva a crer que isso era um reflexo das suas fantasias, da sua forma de amar. Para o Nelson, a meu ver, o amor tinha valor de paixão, não havia distinção. O amor era uma paixão trágica, mortífera, desesperada, até histérica, muitas vezes. Contudo, repito, ele tinha razão e direito de concebê-lo assim. Nelson Rodrigues era um gênio, de quem, particularmente, leio e gosto muito. Mas será, de forma geral, que o amor é realmente assim? Tem que ser assim? Não existe amor de menos? Amor se mede? Pelo quê?

O amor não é um mosquito que pica (apesar de muitas vezes parecer) e as pessoas reagem a isso, não vem de fora. Nem muito menos é uma ideia que entra (ou não) na cabeça das pessoas e cada um entende como quer. O amor são as pessoas, e elas amam como verdadeiramente são. O amor, de cada um, é fruto de nossas experiências afetuosas mais primitivas, ou seja, infantis, relacionadas com as pessoas e as formas que nos transmitiram esse sentimento: demais, de menos, nada, ou quase nada.

Há pessoas que só conseguem amar na paz, na tranquilidade, nada de correr riscos, não suportam emoções intensas, nada de movimentos bruscos demais; estes são ameaçadores para o amor, ele tem que ficar bem guardado, quase dormindo, sonâmbulo, ou em coma. Por outro lado, já há quem necessite, na esfera amorosa ao menos, precisamente do inverso: intrigas, dramas, movimento, faiscações, não suportam emoções e relações regulares, mornas, rotina, constância; estes precisam sim da ameaça, do quase perder, ou perder, precisam desafiar o amor o tempo todo para crer nele; se apegam a procura, como um grande jogo; tem que jogar, apostar, se não, não amam.

Há quem acredita no amor, mas quer viver bem longe dele, o rejeita, abdica dele, pois sabem, na teoria ou na prática, dos seus possíveis catastróficos efeitos colaterais; melhor deixar quieto, e há quem assim o deixa por toda uma vida; outros não conseguem, são pegos de surpresa. Existem os que só querem ficar do lado de fora, ou seja, só querem ser amados. Será defeito isso?

Há os que amam mais de uma pessoa ao mesmo tempo, ou não conseguem amar nenhuma. Por que não? Há os exclusivistas de verdade, um de cada vez, ou um para todo o sempre, e exigem exclusividade também. Há quem só ame a Deus... Há amores dados ao poucos, mitigados, outros dados todo de uma vez, esvaziados rápidos, e nos dois casos ele pode acabar, morrer. Há amores renascidos, ressuscitados, despertos, outros plantados e colhidos no tempo certo; outros que nascem e se apagam na velocidade de um piscar de olhos, por que não? Amores eternos, por que não? Quem é quem, ou o quê, para negar impetuosamente?

Não há erros ou acertos quando a questão é o amor. Há entregas, sinceridade, almas totalmente abertas, às vezes desprotegidas, vulneráveis. Há arrependimentos sim, mas o tempo pode mostrar que não foi tão ruim assim, foi um mal necessário, ou, quem sabe, pensando direitinho, foi até bom.

Não estou me apegando às aparências ou comportamentos – uma “freira” pode ter um vulcão por dentro – pois a grande maioria das pessoas certamente não sabe, ou não aceita, a sua verdadeira forma de amar. É um longo caminho, e toda sabedoria aponta para o amor: sua presença, ausência, excesso ou falta.

Enfim, não é o amor que tem que ser demais, ou de menos, era o Nelson que era “demais” em tudo o que amou, e ele precisava disso, ele bem sabia. E você, já sabe como ama, sabe quem é você?