A morte nossa de cada dia

Acabo de retornar de um velório, não de um parente ou de um “grande amigo” meu que se foi, mas de um “conhecido de infância”. Causa da morte: infarto fulminante!

Não, não se tratava de um senhor de setenta e três anos, nem sessenta e cinco, nem cinqüenta e sete. Ele não era obeso, nem hipertenso, nem diabético, seu colesterol era normal, não tinha câncer, não fumava, não usava e abusava de drogas, praticava esportes, e não tinha, até então, nenhum problema cardíaco. Trata-se de um jovem de “28 anos”, saudável, trabalhador, de hábitos simples e, aparentemente, normal. Estava sentado no sofá, assistindo o Jornal Nacional e simplesmente caiu duro no chão. Morreu instantaneamente sem dizer um único “ai”.

Se a morte é algo naturalmente inevitável, diante de um fato como esse parece mais inevitável ainda. Vivemos achando que a morte nos espreita, nos persegue, que a cada ente querido ou pessoa próxima que ela leva é como se soprasse nos nossos ouvidos ou sua foice nos passasse de raspão. Não. Acredito que ela é inseparável da gente, tão real quanto a vida, apenas a negamos. Carregamos a morte a tiracolo, cada um a sua, mas fazemos questão de esquecermo-nos disso. A pressa da vida cotidiana, junto ao nosso quase inato medo da morte, nos impede de refletir sobre esse tema. Claro, pensar na morte causa infelicidade, e pessoas infelizes não consomem, não produzem, ou não muito. Pensar na morte o tempo todo é muito angustiante, quase loucura. Mas negá-la é ingenuidade por demais.

A morte não é vingativa, nem justiceira, pois se assim fosse ela não chegaria nunca para alguns poucos (de tão bons) e apressaria seu trabalho para com outros, muitos outros (de tão maus). Se a morte fosse parâmetro de castigo realmente sobraria pouca gente. Ela é o que é, ela é o que somos, principalmente quando não mais formos. Quando saímos da vida, deixamos a morte, mas no fundo ela sempre esteve presente.

Ter uma vida arriscada, desregrada, é obviamente chamá-la mais para perto, é viver face a face com ela mais do que o necessário, entretanto, quando nos inteiramos de fatos como esse do meu “conhecido de infância”, todo instante, mais que nunca, parece o último: o último beijo, a última refeição, o último Jornal Nacional.