SEMANA SANTA
Prof. Antônio de Oliveira
antonioliveira2011@live.com
Sinestesia é palavra pouco usada, mas o fenômeno é comum psicologicamente. Trata-se da sensação produzida, em uma parte do corpo, pelo estímulo em outra parte. No caso dos sentidos externos, audição, visão, tato, olfato e paladar, sinestesia consiste numa relação simultânea e subjetiva que se estabelece espontaneamente entre uma percepção de um sentido e outra, de outro sentido. Um perfume de mulher, cheiro, evoca a imagem, visão, da mulher amada. Trilhas sonoras lembram cenas de filme.
A literatura tem traduzido manifestações desse fenômeno em linguagem sinestésica também. Com a visão de um Guimarães Rosa “avista-se o grito das araras." Com o olfato e a audição de um Alphonsus de Guimaraens: "Tem cheiro a luz, a manhã nasce... Oh sonora audição colorida do aroma!".
Na Semana Santa, de modo especial, associam-se, em nossas igrejas históricas, os cinco sentidos externos. No tato, genuflexão, mãos postas, o dar as mãos ou elevá-las. No paladar, a hóstia e o vinho. No olfato, o cheiro místico do incenso, o aroma suave das flores, o odor forte de ramos silvestres. Na audição, música barroca, canto gregoriano, cantos populares de devoção, canto da verônica, sermões. Na visão, as pinturas e os douramentos, desde o teto, passando pelos altares laterais, imagens, até o altar-mor; procissões solenes, rosários, cruzes e tochas, castiçais acesos, cera derretendo-se ao calor das chamas, paramentos, opas, alfaias, pálio do Santíssimo.
Dentro desses templos barrocos a liturgia enleva o espírito e nos eleva à dimensão celeste. O ideal é que essa linguagem sinestésica de dimensão transcendente se traduza também em realizações de dimensão humana.
Machado de Assis descreve um ofício da Paixão: “Soou o cantochão. Chegou-me o incenso. A imaginação deixou-se-me embalar pela música e inebriar pelo aroma, duas fortes asas que a levaram de oeste a leste.” E Machado conclui:
tornado à simpleza antiga, atrás dela foi o coração...