O outro lado da questão

O Papa Francisco, quando ainda somente padre, teria se “borrado” perante a ditadura? Os que não se borraram foram mortos, antes disto humilhados e torturados. Então vejamos, padres e pastores, líderes religiosos, em geral, são pessoas cuidadas, tomadas conta, amparadas, delicadas, suaves. Já observaram as mãos dos padres? Já? Quem gosta de dureza, segue carreira militar e quem gosta de contemplação, reflexão e paz interior busca conventos, mosteiros. Cada qual com o seu dom. Às vezes, por ser paz demais nesses locais sagrados, então tem um momento de flagelação que é para equilibrar, pois de esmola grande, os cegos desconfiam.

Padres não se dão bem com botas e baionetas, tanques de guerra e canhões, raro é o caso, a missão deles é outra. São Francisco de Assis gostava da Natureza, de conversar com os pássaros, de sentir-se perto de Jesus. Estou me referindo a isto em virtude desses artigos jornalísticos e outras matérias na mídia sobre se o Papa negou ou não negou fogo na hora H, se deixou correr solto sobre seus companheiros de religiosidade quando da ditadura na Argentina. Dizem alguns jornalistas que este tema acerca do Papa Francisco tem sido mostrado superficialmente. Digamos sim, está. Entretanto, afirmemos também que historiadores, especialistas e biógrafos devem mesmo ir ao fundo encontrar Jorge sendo omisso ou não. Tudo bem, isto faz parte da ciência, a comprovação ou a negação de uma hipótese, de uma suposição. Mas, me diga você, leitor: o povo, o povo mesmo, o povão, a massa humana quer saber desse mergulho? Volto a dizer que, seja quem for entre nós, esse alguém não resistiria incólume a mergulhos científicos, pois algo na certa seria descoberto. Por favor, há de se raciocinar e ver que cada um o que quer é a ilusão (no bom sentido), o sonho (no bom sentido também), a arte, a sensação de bem estar espiritual, digamos assim. O mundo está cansado, tantos são frágeis demais, carentes demais, revoltados demais, tristes demais, injustiçados demais, tudo demais e ainda sobra.

Para que melhor então de que um condutor de almas que fala de perdão, de misericórdia, que é igual entre os seus? Para que melhor do que um Papa que não fica apenas abanando os braços e mostrando uma figura enfeitada da cabeça aos pés e, tendo no rosto um sorriso estudado e inócuo, quase abestalhado? Jesus não tinha anel, não usava sapatos e foi perseguido e crucificado porque falou de algo novo e que incomodou a tantos mal-acostumados daquela época. Jesus dançou, tomou vinho e tomou a defesa de Madalena; curou cegos, fez andar aleijados, perdoou um ladrão e também foi bom com o centurião romano salvando-lhe a filha enferma. Jesus compreendeu a pouca fé de Tomé e perdoou Pedro. Jesus também teve o seu momento de fraqueza e bradou: “Pai, afasta de mim este cálice”.

Para que serviria, então, um condutor de rebanho que desse rebanho tem medo e se enfurna em um Papamóvel? Assim como se dissesse: “vocês não prestam, podem me matar”. Para que um condutor de almas que recebe, em particular, presidentes e potentados e abandona os humildes? Ah, Jorge, pagareis caro por serdes diferente, por serdes bem intencionado, por não quererdes Deus para si e o diabo para os outros. Pagarás caro porque tivestes uma namorada, porque declarastes gostar de futebol e de tango. Pagarás mais caro ainda porque declarastes amor aos pobres. Foi assim com Cristo e por que não convosco?

Então, como sabemos, não será a mídia, nem o povo e nem os poderosos que julgarão ou perdoarão o Papa, nem qualquer um de nós. E Deus, em sua infinita misericórdia de Pai, como bem o disse o atual pastor do catolicismo, estará sempre pronto ao perdão e Ele nem vai ligar para esta bobagenzinha de omissão perante ditadores, se é que aconteceu. “É disto que o povo gosta/é isto que o povo quer”.