Chuvas de Verão
O mês de janeiro de 1966 foi para mim um mês inesquecível.Nesse ano,o Rio de Janeiro foi castigado pelas chuvas como nunca antes ocorrera. O Clube Militar,do qual eu era vizinha,abrigou famílias que se viram,de repente,desabrigadas ou desalojadas.Eu,assim como todos os jovens da vizinhança,nos envolvemos como voluntários para recolher e separar roupas e alimentos.Foi a primeira vez que fiz esse tipo de trabalho.Algumas lembranças me ocorrem,e me emociono ao revivê-las.
Naquele mês,eu completava quinze anos.Lembro de ter ganho do meu pai uma galocha,(será que alguém ainda se lembra o que era isso?) pra que eu pudesse circular pelas ruas alagadas e cheias de lama.Faço as contas,e percebo que isso aconteceu há exatos quarenta e sete anos!
Ano após ano,eu me vejo à frente da TV,chorando com as imagens veiculadas pela mídia,partilhando da dor de quem perdeu tudo da noite pro dia.Vejo nas pessoas aquele olhar vazio,de quem já não espera nada da vida,de quem não tem a promessa de um futuro pra acreditar. Tudo exatamente como acontece desde a minha adolescência! O mesmo descaso das autoridades,a mesma banalização da vida,a mesma falta de planejamento para minimizar os transtornos causados pelas chuvas. Como se os nossos governantes não soubessem que janeiro sempre trará consigo as fortes chuvas de verão.
Que país é esse em que vivemos? Até quando continuaremos computando as perdas dessa tragédia anunciada? Até quando viveremos contando os mortos?
Hoje,me vejo tão desesperançada quanto cada uma das pessoas que chora suas perdas. E descubro que já não há em mim a credulidade que havia há quarenta e sete anos.Talvez,essa inocência tenha-se perdido ao longo de todos esses janeiros marcados pela dor.A minha indignação se transforma em lágrimas,e eu choro por cada família enlutada. Me rendo à triste certeza de que é só o que me cabe fazer;chorar com elas.