Flagelados.
Flagelado.
Eram muitas almas caminhando ao longo daquela estrada; ouvia-se de longe o lamento de todos eles, numa súplica que entrava no cérebro da gente como uma faca de dois gumes. Quatro deles ao centro daquela multidão de flagelados carregavam um andor; tinha pedras no lugar do santo, e quem puxava a ladainha era um padre da ordem dos Capuchinhos. Todos eles estavam caminhando na direção do açude que a muito tempo estava seco. Era penitência pedindo pra chover, visto que a muito tempo não se via cair uma gota de chuva no agreste desse sertão. Muitos deles estavam levando até seus animais, como quem fosse fazer um sacrifício pedindo chuva.
Deixaram o andor no lajedo que circundava o açude, e só viriam busca-lo quando Deus nosso Senhor mandasse chuva. Às vezes a gente até pensa que Deus nosso Senhor não dá muita ligança pra essa gente tão sofrida, e nem dá ouvidos para as suplicas que eles passam o tempo rezando. Os mais velhos e as crianças são os que mais sofrem; estes não podem arredar o pé como retirantes, e ficam a mercê da própria sorte. Os mais novos batem em retirada para outras terras, por lá ficam, e muitos não voltam nem pra buscar a família que deixaram. Os canaviais e as grandes usinas no interior de São Paulo, é o ponto de parada pra muitos deles, que na ilusão de ganharem muito dinheiro, se transformam em escravos do sub-emprego, nas mãos dos "Gatos", e empreiteiras, e muitos deles morrem de maus tratos e pelo excesso de horas trabalhadas.
Os governantes desse país gigante parecem não dar a menor importância, e não procuram um meio de conter esse êxodo, nada fazem para fixar o flagelado na sua terra de origem. Mesmo sabendo que a maioria deles, deixaram esposa, filhos, e pais idosos, morrendo aos poucos de fome e de sede no flagelo da seca.
Meus pais já se foram, como sou ainda de menor, vou ficando por aqui até Deus mandar bom tempo, ou quem sabe ele mande um pouco de chuva pra aliviar o nosso sofrimento.