Um vizinho hermético

Tudo na vida merece explicação. Mas existem aquelas questões que, por natureza divina, não são explicáveis.

Meu vizinho o do lado esquerdo, colocou uma cerca elétrica em toda a extensão do muro que divide os nossos terrenos. Ficou até bonito, são fios dourados e bem esticados, só que estou percebendo que ele virou bicho: está ficando enjaulado. Antes nós conversávamos ali, ao pé do muro, agora tudo ficou mais complicado. Não sei se ele colocou a cerca para evitar que o ladrão pule da minha casa para a dele ou da dele para a minha. Mesmo assim, um dia desses um gatuno entrou no meu quintal. O engraçado é que não levou nada, nem o cachorro ele pegou. E, olha!... é um animal chique pra burro, é um filhote de Golden Retriever com excelente pedigree e ótimos dentes. Acho isso tudo uma grande bobagem, quem pula cerca é ladrão pé de chinelo, a maioria mal consegue furtar para comer. Os verdadeiros ladrões são sofisticados, usam gravatas coloridas, ternos Giorgio Armani e canetas Mont Blanc de R$925,00, a unidade. Cada assinatura, desses senhores, mesmo que por rubrica, causa inveja até ao velho Tio Patinhas.

O verdadeiro ladrão é sempre uma celebridade de “respeito”. Você se lembra do Ronald Biggs, aquele que assaltou o trem pagador de Londres? Pois é! Tanto aqui, como no exterior sempre foi tratado como distinção. Vendia camisetas com sua cara de pau estampada no peito, dava autógrafo a cântaros, fazia parte da sociedade do Rio de Janeiro. Até no momento de sua prisão foi reverenciado como um popstar, o chefe da Scotland Yard, ao recebê-lo disse: “nice to meet you, sir”. Só depois dessa deferência total e irrestrita, deu-lhe voz de prisão. “Ele era alegre, brincalhão e sempre foi muito direito”, afirmou o zelador do prédio onde ele passou seus últimos dias em berço esplêndido aqui no Brasil.

Hoje acordei pensando no meu nobre vizinho, fiquei imaginando se ele resolver, por conta própria, cercar os bandidos com seus fios elétricos, certamente terá que montar uma fábrica para produzir quilômetros e quilômetros de fios, como ele não tem recursos suficientes para tanto, acho que pensou que seria melhor ficar preso dentro de sua própria casa, assim, não correrá o risco de ver esses “espertalhões” querendo abocanhar o quintal que lhe custou os olhos da cara.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 20/03/2007
Reeditado em 08/10/2017
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