O PRIMEIRO CONTATO COM A CARNE NÃO PODERIA FICAR EM SEGREDO

O PRIMEIRO CONTATO COM A CARNE NÃO PODERIA FICAR EM SEGREDO.

Danilos

Mudei para uma vila de três ruas e poucas casas, onde antes era um sitio e que mantinha ainda os pés de fruta nos terrenos vazios. Na vizinhança da vilinha outros sítios em atividade agrícola. Escolhi aquele local para criar os filhos, para oferecer liberdade e segurança ficando longe dos problemas de grandes cidades como a que deixei para trás. O bairro chama-se Bonança e o nome não poderia ser mais apropriado, o local ainda hoje é muito tranqüilo e eu costumava parafrasear dizendo que deixei a tempestade e fui para o Bonança. A oportunidade para mudar veio de um momento financeiro desastroso, quando perdi emprego e convívio social tudo causado pelo grevismo que vinha com o nascimento do PT. Nunca chegou a faltar comida na mesa, mas que beirou isso é verdade. E tínhamos um probleminha dentro de casa e nunca percebemos a causa. As crianças não comiam carne, pelo menos três deles nunca experimentavam e todo dia que havia carne na mistura a mãe insistia para que ao menos provassem o gosto e eles emburravam e não provavam. A mãe forçava a barra cada vez mais, até que um dia um deles fez um esforço muito grande, colocou um pedacinho de carne na boca começou a mastigar enquanto a mãe ao lado pedia que mastigasse e engolisse. “Mastiga, mastiga mais, mais, agora engole” assim era a pressão e apesar de ser apenas um pedacinho, foi uma vitoria. A mãe ficou satisfeita de cumprir sua missão de alimentar o filho e o menino se sentiu superior aos irmãos que nunca passaram pela prova. Era costume recebermos frutas e verduras dos sítios vizinhos, porem era um dia aqui outro acolá e muitas vezes tínhamos a liberdade de entrar e pegar, mas certa data, no mesmo dia cinco vizinhos trouxeram produtos de suas hortas ou sitio e eu e minha mulher percebemos que havia algo estranho acontecendo. Na cozinha, couve, alface, xuxu, mandioca, abobrinha, ponkam, batata doce, mandioquinha branca e na nossa cabeça a busca da explicação, queríamos entender o motivo de tanta solidariedade. A resposta veio no dia seguinte através do outro filho que explicou que o irmão fora de casa em casa contando que na véspera comera um pedacinho de carne. Ele contava com orgulho que conseguira engolir a coisa ruim que a mãe forçava, estava feliz porque agradara a mãe e os vizinhos que sabiam da minha desagradável situação financeira interpretaram que pela primeira vez tínhamos oferecido carne para as crianças e mesmo assim só um pedacinho e por isso ajudaram com o que puderam. No inicio ficamos meio encabulados com a descoberta, depois nos divertíamos muito eu e minha mulher e ao final ficamos felizes de ter vizinhos tão solidários. O que não percebemos na época é que os meninos nasceram vegetarianos e até hoje quando é feito carne com batata, sabemos que ao final do almoço não tem batata na panela mas a carne continua lá recebendo a atenção e preferência de poucos.

danilos
Enviado por danilos em 17/03/2013
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