FOME

Sábado de manhã... Quando subi a Avenida rumo ao supermercado para comprar pão já faltava dez minutos para as sete horas. Quase nunca faço isso, uma vez que não deixo faltar nada para o café da manhã. Mas o sábado me pegou de surpresa. A despensa vazia... Então eu tive que comprar pão para o café da manhã. O pão é sempre uma opção prática. E ainda a opção mais barata, embora seja carboidrato e precise lhe agregar valores nem sempre nutritivos. Mas pudesse todos comprar o pão de cada dia!

Mais tarde, quando me sentei à mesa do escritório me dei conta de que a semana já chegara ao fim. Só então percebi que ela acaba com a mesma rapidez que se esvaziam latas, despesas e geladeiras. Seguem a mesma razão e proporção. Pensando assim pequei um pequeno bloco de papel e comecei a rabiscar uma lista de supermercado. À tarde faria umas compras.

Enquanto pensava no que compraria e nas guloseimas que prepararia no final de semana, senti fome. Não, não podia ser uma fome real já que tomara o café da manhã não havia duas horas. Será que nosso instinto é apenas comer? Cheguei à conclusão de que se come sem ter fome. Então qual o sentido real da fome? Com certeza não seria apenas essa sensação fisiológica que o corpo sente quando necessita de alimento para manter a vida.

Antes pensava que a sensação de fome vinha do estômago, já que ele reclamava. Não imaginava que no cérebro estão todas as nossas sensações e sentimentos. De lá vem todas as ordens, inclusive a ordem de que já estamos saciados. Agora percebo que a fome além de necessidade fisiológica é um termo também científico. Embora, isso pouco importa quando sentimos fome. E muitas vezes ela se transforma em um fantasma abstrato e ao mesmo tempo real que desnutre e mata. Por causa dela morrem-se crianças. Por causa dela perdem-se valores aprendidos e a dignidade.

Fome... Talvez precisemos compreendê-la mais além dos termos científicos e a necessidade. Talvez precisemos ter uma fome mais especial para julgar e compreender não a nossa fome. Mas a daqueles que não sabem o que comerão no minuto seguinte. Que não sabem se morrerão de inanição... Talvez precisemos compreender mais o flagelo da fome que atinge milhões de pessoas levando a subnutrição crônica, quando não conduz à morte física.

Na TV, eu vejo isso todos os dias. Uma fome real retratada nos ossos que saltam sob a pele e nos rostos ainda jovens, mas envelhecidos, a súplica num olhar além do estômago. Já não é a fome que grita, mas a dignidade de direitos que a lei diz todo ser humano terem. Será que existe tal lei? Algumas falam da lei da Fome zero, embora ela jamais encha todos os pratos.

No Natal, pessoas fazem campanhas para arrecadar alimentos. Talvez uma cesta básica que não durará até o Ano Novo. Acho muito generoso essas campanhas. Não importa se o comprometimento com ela foi simplesmente o ego ou o social. O que importa é o fim, apesar de não resolverem o problema.

Enquanto isso o fantasma da fome ronda. Os pratos estão vazios nas favelas... Nos sertões Nordestinos... Em alguma casa solitária, onde a dignidade é silenciosa e sempre espera por atitudes que não dependem de si. Enquanto nos altos escalões do governo, o dinheiro do povo navega em mensalões, esquemas de nomes estranhos regados a doses de bebidas que valem o salário de um ano de um operário. A comida nem se fala... Eles jamais sentiram fome, por isso não precisam compreendê-la.

Pensando tudo isso cheguei à conclusão que eu também só matei a minha fome. Nada mais, além disso. Por isso não posso compreendê-la na sua essência apesar de doer-me as entranhas ao enxergar muitas de suas faces. Talvez a dor seja de meu próprio ego vazio e comodista. Eu não fiz nada para aplacar a fome dos outros. Por isso não posso atirar pedras. Mesmo que elas tenham a forma da escrita e seja um grito de lamento.

Mas somente uma coisa é certa: não deveria existir a fome fisiológica, embora saiba que ela seja um estado natural do organismo. Quem sabe assim não existissem tantas crianças subnutridas a morrerem na esperança de um pedaço de pão...

Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 20/03/2007
Reeditado em 10/12/2008
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