Lugar nenhum
Agora é noite na sua existência...
(Século XXI - Raul Seixas/Marcello Nova)
Os raios intensos de um sol fulgurante inundam o seu quarto ainda nos primeiros instantes do dia. Eles te despertam. Mas você não acorda bem. Você não dormiu bem, como já é de costume. Pensamentos vão e vêm durante a noite toda, povoam sua mente como os raios do sol que agora preenchem o seu quarto solitário. Mas em contraste com a claridade do dia, seus pensamentos são sombrios e não iluminam nada. Eles são fruto dos medos que você nunca teve coragem de enfrentar. São espelho das angústias que se acumularam ao longo da sua vida, e que agora estão jorrando através da fenda que se abriu funda bem no meio do seu coração. São as tantas culpas que marcam tua alma como tatuagem que não se apaga. Enfim, são tudo aquilo do que você sempre quis fugir, mas que te persegue em cada segundo da tua existência, implacavelmente, ininterruptamente tirando o teu sono, roubando a tua paz. Mas será que algum dia você soube o que é paz? O que você sabe é que ela esteve ao seu alcance, ela se ofereceu a você. Mas suas escolhas te afastaram dela. Você deliberadamente não a quis. Pelo contrário, você sempre quis mais e mais. O pouco, o simples, nunca foi o bastante. Você se lançou numa busca desenfreada pelo fútil, pelo inútil, pelo nada. E foi exatamente isso que te restou: nada. São os cacos da sua vida espalhados pelo chão. Até os que mais te amavam já foram embora. Você mesmo os dispensou. E agora você está aqui, neste quarto radiante iluminado pelo sol, lá fora o dia que nasce cheio de esperança, mas aqui, dentro do seu peito, será só mais um dia que passará em branco. Será só mais um passo a esmo, rodando em círculos em torno de lugar nenhum, do lugar que você tanto procurou e que foi onde, definitivamente, você se perdeu.